OPINIÃO

Luiz Haroldo Gomes de Soutello


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Fiquei muito, mas muito triste, quando li na necrologia do nosso “JJ”, a inserção de sua morte. Éramos amigos de verdade. Não estávamos todos os dias juntos, mas ‘conversávamos’ pelo WhatsApp. Privilegiava-me com a leitura do que iria publicar e trocávamos sugestões.

Estava a ultimar um livro sobre a gastronomia jundiaiense. Embora de certa forma neófito na “Terra da Uva”, assimilou o melhor de nossa história. Principalmente aquela parte que pode ser testemunhada por protagonistas ainda vivos.

Muito bem-nascido, foi aluno do Colégio Santa Cruz, onde foi colega de Chico Buarque de Holanda, com quem produziu um jornal mural. Nunca mais deixou de escrever e de uma forma saborosa.

Era também amigo de Miguel Reale Júnior, companheiro de aventuras da mocidade dourada paulistana. Frequentou ainda o Colégio São Luís, de 1960 a 1962, onde integrou a “Arcádia Gregoriana”, academia literária dos jesuítas, privando com personalidades da vida nacional, como Altino Arantes.

Aluno das Arcadas entre 1963 e 1967, escreveu em 1973 a monografia “O Suicídio Psicossomático de Álvares de Azevedo”, em parceria com Durval Marcondes. Foi nessa época da São Francisco a sua aproximação com Lygia Fagundes Telles, Paulo Bomfim, Mário Chamie, Esther de Figueiredo Ferraz e o velho Miguel Reale. Prestes a bacharelar-se, ganhou o prêmio de monografias do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro, ao escrever “O dinamismo funcional do conceito de taxa”.

Nunca mais deixou de se aprimorar no Direito Tributário, tornando-se um dos mais jovens e dinâmicos advogados do Banco Central. Mas sua origem no patriciado paulistano despertou interesse no aprofundamento genealógico. Encantou-se com as raízes autênticas da nobiliarquia jundiaiense e produziu inúmeros textos, hoje referência para quem quer conhecer a intimidade da História de São Paulo.

O mais importante é que Luiz Haroldo sempre foi detentor de um refinado humor. Quem com ele conviveu se deliciou com suas tiradas sutis, enunciando episódios que fariam gargalhar, mas com aquela voz tranquila e serenidade própria aos aristocratas da velha cepa. Era a exceção elegante na rudeza e mediocridade generalizada. Transitava com desenvoltura em todas as rodas e nelas todas, sem exceção, era figura disputada e respeitada.

Ao se casar com Maria Helena Mentem, transferiu-se para Jundiaí, onde participou das rodas intelectuais, perscrutou e desenvolveu a História da família à qual se ligou definitivamente. Era um grande admirador de outra figura notável, que nos deixou em julho de 2019 e que no ano próximo será novamente alvo de nossa mais carinhosa lembrança, pois faria cem anos: Paulo Lébeis Bomfim.

Os Lébeis pertencem à família de Maria Helena e isso gerou uma saudável aproximação. É a confraria dos seres especiais. Cheguei a promover encontro pessoal na minha chácara do bairro da Toca, e visitas de Luiz Haroldo e família a várias das reuniões da nossa Academia Paulista de Letras.

Leitor de suas saborosas narrativas, fiz questão de apresentá-lo à Academia Paulista de História, na qual foi recebido com satisfação e honras. Conversei com ele no aniversário e nunca pensei que ele nos deixasse tão cedo. Era um lorde, um cavalheiro, cuja vida intelectual contribuía para que parecesse tão moço, tão cheio de vida e sempre disposto a entregar o fruto de suas pesquisas e de seu talento para que a mocidade se convença de que a História é essencial e devotar-se a ela vale a pena.    

Jundiaí talvez não tenha ideia completa da perda que sofreu com a partida de Luiz Haroldo Gomes de Soutello (*São Paulo, 13.3.1944 + Jundiaí: 07.5.2025).

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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