
Golpistas cada vez mais modernos e um sistema financeiro que ainda tenta se adaptar. Essa é a realidade enfrentada por milhares de brasileiros vítimas de fraudes com Pix, que vêm crescendo de forma alarmante.
Muitos desses crimes se aproveitam de laços afetivos para enganar as vítimas. Foi o que aconteceu com o advogado Davi Ribeiro, que caiu em um golpe após criminosos invadirem um aplicativo de mensagem do tio. "Eles se passaram pelo meu tio e pediram um valor emprestado, algo que já havia acontecido outras vezes entre nós. Por isso, não desconfiei", conta.
Ele transferiu R$ 1.500 e, ao receber uma nova solicitação de mais R$ 500, começou a suspeitar. "Tentei ligar para o meu tio, mas ele não atendeu. Foi aí que percebi que algo estava errado."
Mesmo sendo advogado e tendo entrado com uma ação judicial no mesmo dia — incluindo o pedido de bloqueio da conta de destino — Davi não conseguiu reaver o valor. "A conta já estava vazia. Isso mostra como os golpistas são rápidos ao pulverizar o dinheiro em outras contas para dificultar o rastreamento."
Com o aumento dos golpes, o Banco Central tem buscado reforçar a segurança do sistema. A principal novidade prevista é o autoatendimento do Mecanismo Especial de Devolução (MED), que entra em funcionamento em outubro. Ele permitirá que o próprio cliente solicite o bloqueio de valores em caso de fraude, sem depender exclusivamente do atendimento do banco.
Desde 2021, outras medidas já haviam sido implementadas, como o limite noturno de transações, tempo mínimo para aumento de limites e cadastro prévio de contas para transferências de alto valor.
Para a advogada Karina Santos, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, os bancos podem ser responsabilizados, mas não automaticamente. "O Código de Defesa do Consumidor impõe ao banco o dever de prestar um serviço seguro. No entanto, se a fraude ocorrer por culpa exclusiva da vítima — como o fornecimento de senhas — a jurisprudência tende a afastar a responsabilidade da instituição", explica.
Segundo ela, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou que a atividade bancária é de risco, o que exige mecanismos eficazes de segurança e verificação por parte das instituições. "Quando há negligência, falhas nos bloqueios ou omissão no monitoramento de contas usadas por ‘laranjas’, a Justiça tem reconhecido o dever de indenizar a vítima", acrescenta.
O que fazer ao cair em um golpe
O caminho para tentar recuperar o prejuízo começa com rapidez. Assim que perceber o golpe, a vítima deve:
Comunicar imediatamente o banco — pelos canais digitais ou telefone — e registrar o caso como fraude, guardando o número do protocolo.
Fazer um boletim de ocorrência, preferencialmente online, para acelerar o processo.
Acionar o MED, solicitando o bloqueio do valor transferido, se ele ainda estiver disponível.
Reunir provas, como prints de conversas, comprovantes de transferência e dados da conta que recebeu o valor.
Karina ressalta que o MED é um recurso importante, mas não garante o reembolso. Ele apenas viabiliza a tentativa de bloqueio e devolução, que depende da atuação do banco recebedor e da confirmação da fraude dentro de um prazo curto.
Fraudes digitais desafiam legislação atual
Embora existam leis que enquadram crimes digitais — como o artigo 171 do Código Penal, a Lei nº 14.155/2021 (que agrava fraudes eletrônicas) e a chamada Lei Carolina Dieckmann —, ainda não há legislação específica para crimes com Pix.
"As leis atuais não foram pensadas para lidar com a velocidade das transações e o uso de contas laranja. É preciso adaptar o sistema jurídico à realidade digital", afirma a advogada.
No entanto, especialistas alertam que só criar novas leis não basta. "É fundamental que instituições financeiras, autoridades policiais e o próprio Banco Central atuem juntos, com protocolos padronizados e maior fiscalização", afirma Karina.
Além disso, a conscientização da população é essencial. A maioria dos golpes se apoia em falhas humanas, como a confiança em mensagens falsas ou o descuido com senhas.