MERCADO DE TRABALHO

Vagas em alta, salários em queda: o desafio de sobreviver

Por Camila Bandeira |
| Tempo de leitura: 5 min
Arquivo pessoal - Thays Rodrigues
Vagas crescem em Jundiaí, mas salários baixos e condições precárias desafiam trabalhadores
Vagas crescem em Jundiaí, mas salários baixos e condições precárias desafiam trabalhadores

A sensação de que “há mais trabalho e vagas não preenchidas” esconde uma realidade dura para quem precisa garantir o sustento no fim do mês. Em Jundiaí,  apesar do aumento no número de empregos formais e de a remuneração média ter crescido 23% entre 2021 e 2024, muitos trabalhadores seguem com salários baixos e jornadas exaustivas. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que mais de 41 mil pessoas na cidade recebem menos de R$ 3 mil mensais, mesmo com carteira assinada.

Essa realidade local reflete uma tendência nacional: embora a taxa de desemprego tenha atingido um dos menores patamares dos últimos anos — 6,9% em 2023, segundo o IBGE —, o crescimento das vagas formais e informais tem se concentrado nas extremidades do mercado: posições de alta qualificação e salários elevados, ou funções com baixa exigência e remuneração inferior à média.

Realidade de Jundiaí

Em Jundiaí, a remuneração real média subiu de R$ 3.798 para R$ 4.688 nos últimos três anos. Mas o número esconde diferenças significativas. Enquanto 9.503 trabalhadores em cargos de chefia e liderança recebiam, em média, R$ 14.515, outros 41.469 empregados tinham rendimentos inferiores a R$ 3 mil. Entre eles, estão trabalhadores dos serviços e vendedores do comércio (40.268), com salário médio de R$ 2.918,47, e trabalhadores agropecuários (1.201), com média de R$ 2.301,35.

Em 2024, Jundiaí contava com 188.169 pessoas empregadas com carteira assinada. A maior parte estava concentrada no setor de serviços (91.226), seguido por indústria (51.669), comércio (37.781), construção (7.008) e agropecuária (485). A indústria, mesmo com a perda de força em âmbito nacional, aumentou as contratações na cidade no pós-pandemia.

Dados da FGV Social mostram que, em 2024, a renda da metade mais pobre da população cresceu 10,7%, acima da inflação dos alimentos (7,7%). Ainda assim, o alívio é momentâneo e não elimina o problema estrutural, a falta de empregos com remuneração justa e estabilidade mínima.

A classe média trabalhadora, que tradicionalmente ocupava cargos de nível intermediário, enfrenta um apagão de oportunidades. Essa polarização ajuda a explicar por que, mesmo empregados, muitos brasileiros precisam buscar alternativas para completar a renda.

O doutor em economia e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nelson Marconi, explica que o que ocorre em cidades como Jundiaí é um retrato do país.
“Tem geração de emprego, mas empregos de baixa qualidade, sem demérito, pois pagam salários mais baixos por serem empregos de baixa complexidade. Há tempos, a vaga hoje de auxiliar de logística poderia ser uma vaga mais técnica na indústria. Alguns setores perderam relevância e contratam menos, então quem contrata hoje são os setores menos complexos”, afirma. Apesar dos indicadores apontarem que o salário médio está subindo, Nelson Marconi alerta: “Olhando a composição, tem remunerações que não acompanham as altas.”

Nelson Marcon - Divulgação / FGV

A automatização também está redesenhando o perfil das profissões. “Há atividades que são simples, mas não passíveis de automatização com facilidade, como preparo de alimentos e limpeza. Nesse tipo de ocupação, você vai ter crescimento. Já em outras, como controle de estoque, isso pode ser substituído por tecnologia.”

Para ele, o crescimento do empreendedorismo por necessidade é reflexo desse cenário. “As pessoas acham que podem ‘se virar’, muito por influência das redes sociais e até de discursos religiosos. Mas é uma visão de curto prazo. Você vai deixar de ter férias, previdência, 13º salário. Ganha dinheiro trabalhando só, mas perde em outras partes.”

É exatamente o que vive Camila Pena, moradora de Jundiaí. Há quatro anos, ela começou a produzir aromatizadores para complementar a renda. “Como trabalho com salário fixo e não sou comissionada, faço os aromatizadores pra complementar a renda. Mesmo com um salário considerado bom, ele não é suficiente para viver em Jundiaí, onde o custo de vida é muito alto”, conta.

A cidade, um dos polos industriais do interior paulista, reflete esse descompasso. “Temos escassez de mão de obra, mesmo para vagas sem necessidade de experiência. As empresas onde trabalho estão com dificuldade de contratar”, completa Camila.

Vivian Rangel, gerente de uma empresa de recursos humanos na região mostra esta dificuldade. “Muitas empresas têm enfrentado dificuldades para preencher vagas, especialmente em áreas técnicas, de tecnologia da informação, engenharia e algumas funções operacionais que exigem habilidades específicas.” Ela acrescenta que cargos de liderança também são difíceis de preencher devido à exigência de um perfil estratégico e competências comportamentais bem desenvolvidas.

Para tentar reverter esse cenário, empresas têm investido em programas internos de capacitação e apostado em estratégias para atrair talentos, como o fortalecimento da marca empregadora, presença digital, parcerias com instituições de ensino, benefícios mais atrativos e processos seletivos mais humanizados. A indicação por parte dos próprios funcionários também tem sido incentivada.

Mas, mesmo com esforços para reter os trabalhadores, a rotatividade ainda preocupa. “A gestão tem sido feita com ações integradas, como escuta ativa dos colaboradores, planos de carreira acessíveis, programas de integração e ações de valorização interna. A análise de desligamentos também é essencial para entender causas e atuar de forma preventiva”, afirma Vivian.

O cenário tem levado muitos profissionais a repensar suas escolhas. Thays Rodrigues, por exemplo, deixou um emprego CLT que precisava conciliar com freelancer em design gráfico. “A carga horária era enorme, e os descontos no salário absurdos. Eu fazia freelancer mesmo com salário fixo, porque não dava pra viver só com o que recebia oficialmente”, conta.

Para Vivian, esse movimento reflete uma mudança de mentalidade acelerada pela pandemia. “Hoje, os candidatos valorizam mais flexibilidade, qualidade de vida, propósito e ambientes saudáveis. Antes, estabilidade e salário eram os principais fatores. Agora, a experiência do colaborador e o bem-estar contam muito mais.”

Enquanto as estatísticas apontam um Brasil em retomada, a realidade de quem vive do trabalho mostra que ter um emprego não significa, necessariamente, conseguir viver com dignidade.

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