A Semana Santa nos apresenta um itinerário profundo de encontro com o Senhor. Após um longo percurso de anúncio do Reino, repleto de curas e sinais, Jesus chega à cidade santa para o desenlace final de seu ministério. A última semana do Senhor é também a semana mais dolorosa. Ante a perseguição dos poderosos da época, a morte do Messias se torna consequência de escolhas realizadas em sua vida. Jerusalém não é o lugar da apoteose de um projeto espetacular de implantação de um reino de poder, como queriam os fariseus e os mestres da Lei. Jerusalém será o lugar do desfecho de uma vida doada e que traz em si as marcas de opções claras por um Reino de Amor, onde todos podem ser irmãos.
Viver plenamente a Semana Santa que se aproxima significa preservar a esperança de que as dores deste mundo e sua rejeição radical ao projeto de Jesus de Nazaré não foram maiores do que a força da Ressurreição. Aquilo que a pedra do túmulo tentou calar, a alegria do sepulcro vazio fez ressoar. Por isso, somos chamados a enxergar as brechas de esperança, como nos ensina a proposta do Ano Jubilar, fazendo da Semana das Dores um momento de perscrutar as fagulhas de vida que emergiram mesmo em meio às forças que a impediam.
Quanto mais o Senhor se aproxima de Jerusalém para viver sua Paixão mais ele fica sozinho. Já não há mais a multidão das montanhas e das planícies da Galileia. Os milagres que atraíram milhares de pessoas em busca de pão agora são apenas reflexos do fascínio de muitos que se satisfizeram e ficaram pelo caminho. Conforme as perseguições foram aumentando, Jesus foi ficando sozinho. Eram cinco mil, depois algumas centenas, dezenas e, chegando em Jerusalém, eram apenas os doze. A possibilidade da morte assustava quem se comprazia apenas com os milagres. A solidão do Messias é a primeira dor que assola Jesus em seu projeto de amor do Pai. Como somos inebriados pelas curas do caminho! Como somos lentos para entender que a verdadeira cura é a cruz!
Todavia, desde o momento em que Jesus foi preso pelos soldados romanos após a traição de Judas, há fagulhas de esperança que nos animam a perseverar até o fim.
Lembremo-nos que na caminhada do Calvário, três pessoas se fizeram presentes. Silenciosos, mas cheios de coragem. Na esperança desafiadora desses personagens, o Reino aponta para a vida que sempre prevalece, prenunciando aquilo que ocorreria no Domingo da Ressurreição. Aprendamos com Verônica, Simão Cireneu e Maria as virtudes da ternura, do companheirismo e da resiliência.
Recordemos a coragem de Verônica, tão rememorada por nossas tradições populares na Semana Santa. Audaciosamente, ela salta diante de Jesus no caminho do Calvário e lhe enxuga o rosto ferido. Sua atitude recorda a profecia de Isaías: “Não havia nada de belo nem majestoso em sua aparência, nada que nos atraísse” (Is 53,2). Mais do que isso, esse gesto, para uma mulher da época, era incrivelmente arriscado. Tocar um prisioneiro condenado e enxugar o sangue de seu rosto era tornar-se impura e reconhecer-se seguidora daquele homem. Isso colocaria em risco a sua própria vida também. Entretanto, Verônica possui a coragem dos justos, daqueles que padecendo a injustiça dos homens, reconheceram em Jesus o Messias esperado. Verônica é o sinal vivo de que, mesmo diante das maiores atrocidades, é possível resistir com esperança. É possível manifestar, pela força do afeto, pequenos gestos de ternura para com quem sofre. O Cristo continua desfigurado nas dores das vítimas das guerras, da violência, do pecado estrutural de uma sociedade que exclui e mata. Ter a esperança de Verônica é professar a fé no Messias da Cruz, sem temer jogar-se na frente dos que matam ou promovem a morte. É insistir em ser docilidade mesmo quando o ódio dos homens insiste em matar. Proclamemos a audácia da ternura ante o horror da violência.
No caminho do Calvário, Jesus recebe a cruz. Após uma noite terrível de flagelação, o Senhor recebe sobre os ombros o madeiro e é empurrado pelas vielas de Jerusalém no caminho do monte onde seria crucificado. Já sem forças, Jesus cai. Sozinho Ele não consegue mais carregar a cruz. Nesse momento, imerso na solidão da Via-crucis, Jesus encontra o amparo de Simão Cireneu. Um homem do povo, humilde, que deixa seus afazeres para acompanhar de perto os sofrimentos do Messias. Este Cireneu é o retrato mais fiel da certeza de que, no caminho com a cruz, nunca estamos sozinhos. Mesmo a mais terrível solidão, quando atravessada pelos ensinamentos de Jesus, pode ser compartilhada. Simão é a proclamação da presença amorosa de Deus nos nossos irmãos de comunidade, que nos desafogam do vazio de uma sociedade abandonada ao próprio ego. É o alívio que Deus nos proporciona pelo apoio de pessoas simples nos momentos mais difíceis. Simão é sinal da esperança que só tem sentido compartilhada. E a certeza de que os verdadeiros discípulos aparecem nos momentos mais difíceis.
Por fim, aos pés do Calvário, somos chamados a contemplar Maria, a mãe de Jesus, como modelo de esperança. No sofrimento de uma mãe que resiste em pé, enxergamos a resiliência de quem experimentou no próprio peito transpassado, as dores das ausências inquietantes da existência. Maria poderia ter se preservado desse espetáculo de crueldade, mas permaneceu ali, ao lado da Cruz, como tantas mulheres que resistem ante a violência e a crueldade de homens que exercem o poder, ainda hoje. Maria é o sinal de uma esperança silente, corajosa, que não vira o rosto para a indiferença e a morte provocada, mas luta até o fim, para oferecer sua vida como sinal de coragem. Por isso, Maria é a última oferta de Jesus à humanidade. É o presente mais precioso que o Senhor nos entrega, no alto do Calvário em Jerusalém.
A Semana Santa não pode ser vivida apenas pela lógica da tristeza. Jerusalém é o lugar das dores da Cruz mas também o lugar da alegria da Ressurreição. É o lugar do vazio do Calvário, mas também do vazio vitorioso do sepulcro. É o lugar que destroi as expectativas dos discípulos, mas também que abre as portas para o início de sua missão. Convido a todos a participarem desta Semana Santa não apenas a partir da perspectiva da dor, mas a enxergar os pequenos sinais de esperança que percorrem a liturgia dos próximos dias. Convido a todos a permitirem que as brechas de esperança façam com que as luzes da manhã da Ressurreição possam ser vistas.
E que diante dos calvários nossos de cada dia, tenhamos a coragem de proclamar que a vida sempre tem a última palavra.
Boa Semana Santa a todos!
Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo Diocesano de Jundiaí