OPINIÃO

A imoralidade dos penduricalhos


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Há alguns meses a imprensa nacional tem demonstrado o descalabro dos salários e “penduricalhos” do Judiciário brasileiro. Promotores recebendo de R$ 600 mil a R$ 1 milhão de abonos salariais. Juízes sendo beneficiados com abonos de mais de R$ 100 mil por mês. Em alguns estados, até R$ 1 milhão. Lembrando que o Brasil tem um teto constitucional de salário para servidores públicos de R$ 46,6 mil. Um belo salário para uma população que tem, em média, recebido R$ 3,1 mil mensais (PNAD de janeiro, para trabalhadores com carteira assinada). Entretanto, a massa salarial não passa de R$ 2 mil por mês.

Esses acréscimos incluem auxílio-moradia, auxílio-livro, ajuda de custo para mudança, gratificações por tempo de serviço e até indenizações retroativas, entre outros. Alguns desses "benefícios" são pagos mesmo quando o servidor reside na cidade onde trabalha, ou não muda de função há anos. Em muitos casos, juízes e promotores recebem dobradinhas indenizatórias que, por não serem classificadas como "salário", ficam fora do alcance do teto constitucional. É o jeitinho jurídico travestido de interpretação técnica.

Essa prática, embora sustentada por decisões administrativas internas e interpretações coniventes, contraria princípios basilares da administração pública, como moralidade, impessoalidade e eficiência, consagrados no artigo 37 da Constituição. Além disso, ela amplia a desigualdade entre servidores públicos, pois beneficia uma casta específica com salários indiretos que não estão disponíveis ao restante do funcionalismo — tampouco ao cidadão comum.

O Judiciário, guardião último da lei, não deveria ser o primeiro a driblá-la em benefício próprio. Ao fazer isso, corrói sua legitimidade e afasta-se da sociedade que jurou proteger. A confiança da população na Justiça depende não apenas de sentenças técnicas, mas também de condutas éticas e transparentes. A moralidade pública exige que o teto seja um limite real, e não uma mera ficção contábil.

O combate aos penduricalhos não é apenas uma questão contábil. É, acima de tudo, uma luta por justiça dentro da Justiça.

Enquanto professores, médicos e policiais (incluindo os delegados da Polícia Civil de SP) lidam com estruturas precárias e salários baixos, a elite do Judiciário vive num oásis financeiro — financiado por um Estado que arrecada muito e devolve pouco. A desigualdade começa na folha de pagamento.

As castas brasileiras são criadas desde 1.500, ano de nosso descobrimento. As capitanias hereditárias passam, sempre, para aqueles que podem estudar bem, em colégios particulares, e perpetuar a desigualdade brasileira. Nada contra. Desde que estejam no limite da lei.

Sei que vocês vão dizer que não são valores ilegais. Não não são. São imorais mesmo. Eu teria vergonha de surrupiar - mesmo que dentro da lei - cifras milionárias do povo brasileiro.

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ.  

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