OPINIÃO

'Salve Silva!' (Parte 2: o Germe)


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"Atenção: Esse é um conto de ficção em quatro partes escrito por mim, Felipe Schadt. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência."

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Os dias se passaram e os acampamentos bolsonaristas ficavam cada vez mais lotados, principalmente quando Silva estava presente. Ele começou a visitar as concentrações “verde e amarela” uma a uma, sempre seguido de uma milícia que era conhecida como ACIBEM, sigla para Armada dos Cidadãos de Bem. A ACIBEM era violenta, truculenta e composta de brutamontes que possuíam porte de arma, uma herança do governo Bolsonaro. Alguns ex-policiais também faziam parte da milícia. 
  
Enquanto Silva ia ganhando popularidade por causa dos discursos e das redes sociais, mais bolsonaristas começavam a enxergar nele um líder. Ele era sedutor e convincente, tinha postura e parecia ser inquebrável, muito diferente do derrotado Bolsonaro que, nessa altura do campeonato, estava refugiado em Miami e já era página virada. E se o ainda presidente era uma carta fora do baralho, Silva era o Ás de paus numa mesa que se tinha um Rei virado num jogo de truco.

Mas Silva era um cara comum. Pouco mais de trinta anos, Silva era católico e morava com os pais e por isso não trabalhava, ou pelo menos não se sentia na obrigação de se manter em emprego nenhum, já que seu pai era um ex-militar e recebia uma generosa aposentadoria do exército. Isso fazia com o que seu pai o tratasse como um soldado. Já a mãe achava que ele ainda era uma criança de 10 anos. Os irmãos, todos mais velhos, já nem moravam no Brasil há algum tempo. Ele era o caçula. Um acidente, segundo o próprio pai.

Tentou fazer faculdade pública, mas não conseguiu passar no vestibular de Engenharia. Colocou a culpa nas cotas. Fez faculdade particular mas trancou o curso três vezes. Nunca chegou a se formar. Passava a maior parte do tempo jogando na internet e assistindo outras pessoas jogarem enquanto se informava sobre qualquer coisa em blogs e vídeos no YouTube. Ficou viciado em vídeo de finanças e até participava de encontros com coachs que prometiam prosperidade fácil com gritos e coreografias. Pediu dinheiro para o pai e investiu em uma academia que, por causa da pandemia, faliu.

Seu ódio pela esquerda começou aí. Ele não tinha votado no Bolsonaro. Achava ele fraco. Votou no Amoedo no primeiro turno nas eleições de 2018, e no segundo simplesmente não votou. Mas viu no presidente eleito daquele pleito características que combinavam com as suas. Uma delas era o discurso contra a quarentena. Se não fosse ela, ele não teria perdido todo o dinheiro que tinha investido na academia.

Isso, unido ao ódio que ele sentia da esquerda, fez ele admitir que Bolsonaro era também um mito para ele. Participou de todas as manifestações bolsonaristas que se seguiram. Leu todos os livros de Olavo de Carvalho, além de ter feito todos os seus cursos online. Era um espectador assíduo de sites de extrema direita. Mesmo assim, nunca emitiu nenhuma opinião publicamente. Nas reuniões de família, no futebol com os amigos, na balada e até mesmo na internet, Silva se mantinha quieto e pacato. Até que no dia 30 de outubro de 2022, dia da eleição de Lula para o seu terceiro mandato, ele chorou de ódio!

Assim que ficou sabendo que haveria uma manifestação na sua cidade, se vestiu de verde e amarelo, se envolveu com a bandeira do Brasil e foi protestar na rodovia junto com outras dezenas de pessoas iguais a ele. Ali se sentiu acolhido e esperançoso. Mas o silêncio de Bolsonaro era ensurdecedor. Além disso, as fake news sobre a prisão de Alexandre de Moraes, sobre as fraudes nas urnas comprovadas, sobre a anulação das eleições, só faziam ele sentir mais ódio de todo mundo.

Um vídeo do próprio Bolsonaro pedindo para que os manifestantes desobstruíssem as vias fez ele entender o óbvio: “o presidente já era”. Junto disso, pessoas que antes apoiavam o presidente começaram a criticar as manifestações. "Ratos!!", pensava ele. Com tudo isso, ou os bolsonaristas fariam algo ou o próprio bolsonarismo ia acabar ali.
 
Os manifestantes saíram das rodovias e começaram a acampar na frente dos quarteis. Eles achavam que o exército faria alguma coisa. Silva não acreditava nisso. Mas resolveu seguir a massa. Cansado física e mentalmente, pegou uma cerveja e viu uma cadeira de praia vazia. Se sentou, abriu a latinha e deu uma bela golada. Foi então que começou a prestar atenção em três homens à sua frente conversando algo sobre transformar Bolsonaro em um tipo de "Primeiro Deputado".

... [Continua na próxima coluna]

Conhecimento é conquista.


Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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