OPINIÃO

Saúde e Espiritualidade


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“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”, disse Shakespeare em Hamlet. Ou seja, há mais coisas entre o céu e a terra do que a nossa mente é capaz de compreender, isso é um fato.

A relação entre saúde e espiritualidade tem sido muito estudada nas últimas décadas, revelando sua influência no bem-estar físico, mental e emocional das pessoas. Atualmente, com a criação de uma comissão específica pelo Conselho Regional de Medicina, o tema ganha ainda mais relevância, especialmente no contexto da abordagem integrativa da saúde, e isso é maravilhoso.

A espiritualidade pode ser definida como a busca por um sentido de vida, uma conexão com algo maior e com a construção de valores e propósitos que guiam nossas ações, impactando diretamente na forma como as pessoas lidam com as doenças, desafios e com a própria existência.

Estudos demonstraram que pacientes que possuem uma prática espiritual ou crenças bem estabelecidas, lidam melhor com o estresse, apresentam menores índices de depressão, ansiedade e relataram maior bem-estar. Além disso, há evidências de que a espiritualidade pode influenciar processos fisiológicos, como a redução da dor, da inflamação e a melhora da resposta imunológica.

A relação entre mente e corpo é fascinante e  amplamente documentada na literatura médica. O estresse crônico, por exemplo, está associado ao aumento do cortisol, que pode levar a um enfraquecimento do sistema imunológico e ao surgimento de diversas doenças. Práticas como meditação, oração, gratidão e conexão com um propósito de vida têm mostrado efeitos positivos na regulação do sistema nervoso autônomo, reduzindo o estresse, assim como os marcadores inflamatórios.

Um estudo publicado no Journal of Behavioral Medicine apontou que pacientes que recebem suporte espiritual apresentam menor risco de depressão e maior adesão a tratamentos médicos. Outro artigo da Harvard T.H. Chan School of Public Health demonstrou que a espiritualidade pode melhorar a recuperação de pacientes com doenças crônicas, como câncer e problemas cardíacos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu a espiritualidade como um dos pilares da saúde, ao lado dos aspectos físicos, mentais e sociais. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) permite que médicos abordem questões espirituais em consultas, desde que com respeito à autonomia e crenças do paciente. Um grande passo dado!

A espiritualidade no ambiente hospitalar não significa imposição de crenças, apenas um olhar mais amplo sobre o paciente. Profissionais de saúde fazem perguntas como: O que lhe dá força nos momentos difíceis? Você tem alguma prática que o ajuda a lidar com a doença? Há algo importante para você que gostaria de compartilhar?

Minhas amigas que trabalham com medicina paliativa sempre me contam como o médico pode ser acolhedor, gentil e ajudar de alguma forma, quando o que resta a fazer é dar dignidade e amor para o paciente seguir o final de sua jornada. E quando há chances de vida, essas questões permitem ao profissional entender melhor o paciente e oferecer um cuidado mais humanizado e eficaz.

Além da abordagem tradicional, muitas terapias integrativas incluem componentes espirituais, como o yoga, a meditação, o mindfulness e a respiração consciente. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) já reconhece e oferece algumas dessas práticas como parte do tratamento complementar. Sinceramente, eu vibro muito com estas conquistas.

A criação de uma comissão de saúde e espiritualidade pelo Conselho Regional de Medicina reflete uma tendência mundial de humanização do cuidado e reconhecimento da importância dos aspectos subjetivos da saúde. Considerar a espiritualidade como parte da assistência não significa afastar-se da ciência, mas integrar abordagens que favorecem o bem-estar global dos pacientes. O desafio agora é capacitar os profissionais de saúde para que possam incluir essa dimensão em seus atendimentos de forma ética, respeitosa e baseada em evidências. A medicina do futuro não será apenas tecnológica, mas profundamente humana. Muita saúde a todos.

Liciana Rossi é especialista em coluna e treinamento desportivo, pioneira do método ELDOA no Brasil (licianarossi@terra.com.br)

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