Uma das coisas que sempre me encantou na medicina tradicional chinesa e o faz ainda hoje, mesmo depois de vinte anos de especialista, é o uso dos atos mais corriqueiros do cotidiano aplicados como ferramentas terapêuticas.
O treino da respiração, os exercícios e a meditação são alguns exemplos bem populares desta ideia, mas junto com eles há algo que fazemos desde o dia que nascemos e o repetimos praticamente todos os dias que é normalmente esquecido: comer.
A nossa primeira interação social, o primeiro contato “com a pele” de outro ser humano se deu com as nossas mães em um ato de alimentação: a amamentação. Neste exemplo eu já aproveito para ressaltar ainda mais o que é evidente: comer está bem além de se nutrir: junto da amamentação há amor, carinho e segurança.
Estes sentimentos não existem somente nas nossas mentes, mas são verdadeiros “pavimentos” energéticos que estão montados sobre a parte física do alimento e são vias de troca de informação capazes de modificar o funcionamento do organismo e mesmo a própria arquitetura do sistema nervoso, a longo prazo.
Quem precisa de uma prova acadêmica daquilo que já é percebido facilmente por todos, acessem os estudos de perfis psicológicos de pessoas que foram amamentadas em comparação com seus pares que receberam a nutrição por mamadeiras. Fisicamente, podem estar todos sãos, mas esse é somente um pavimento de todo o conjunto; olhem para a capacidade de lidar com emoções de cada um.
Expandindo a proposta para as outras interações envolvendo a alimentação ao longo da vida, a existência de camadas energéticas assentadas na fisicalidade da matéria nutritiva está longe de ser um problema, sendo mais um recurso para alinharmo-nos aos objetivos que desejamos.
Quer melhorar a imunidade contra os vírus do resfriado comum, típico dos climas frios? A sopa de missô japonesa tem essa missão. Quer associar uma dose de pureza aos seus alimentos, facilitando a digestão? Raiz preparada de wasabi ganhou seu lugar na culinária oriental por esse feito.
A canja de galinha para a gripe, o chocolate amargo para a tristeza e o suco de abacaxi com hortelã para a digestão são provas que esse conhecimento não se restringe à cultura oriental, sem falar no brasileiríssimo cafezinho, estimulante tão eficaz que poderia até ser considerado dopping desportivo.
Até mesmo o pavê, que tomei para encabeçar para o artigo (doce bem brasileiro com o nome inspirado da palavra francesa pavage, querendo dizer pavimento) faz uma verdadeira magia ao criar um doce festivo a partir das comuns bolachas de maizena, unidas com um creme de leite condensado. A receita traz, em si, certamente, uma mulher zelosa, sem muitos recursos de tempo nem dinheiro, preocupada em dar alegria a alguma festividade de família. A solução é replicada com sucesso, até hoje, partilhando da mesma felicidade “sobre” a primeira camada do doce já há décadas.
Convido então, que com um pouco de cuidado e percepção, iniciemos a nova etapa da nossa própria alimentação, já que dela dependemos e diariamente buscamos nela a construção do nosso corpo. Acrescentemos novas camadas de conhecimento que não só aumentam seu sabor, mas a tornam útil para nossa saúde.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)
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jose antonio bergamo 4 dias atrásExcelente artigo! Parabéns!