Acabo de assistir à minissérie “Adolescência” da Netflix. Muito boa. Infelizmente não me impactei, embora tenha me comovido, pois conheço crianças e adolescentes cujos pais ignoram que a afetividade tratada de maneira displicente pode ocasionar uma tragédia. E afetividade vai além de beijos e abraços, mas é presença nos acontecimentos do dia a dia.
A minissérie fala sobre um assassinato no interior da Inglaterra em que o principal suspeito é um jovem de 13 anos. Estrelado e criado por Stephen Graham. Ele garante que a série não é baseada em um caso específico, mas tem inspiração em muitas soluções que ele mesmo viveu na Europa quando era adolescente. Diz ele: “Afinal adolescência traz elementos que remetem ao mundo real, com problemas familiares e crimes em escolas envolvendo crianças e adolescentes”.
Segundo Tiago Romariz, criador de cultura pop, a série reforça a ideia de que o entorno da comunidade e redes sociais alimentam conspirações e visões que culpam a vítima, ignoram atitudes e exploram o enfraquecimento de instituições para que movimentos como os de incels (movimentos sombrios) seja cada vez mais forte.
Recordei-me da conversa com o jovenzinho de 14 anos, assustado com a possibilidade de perder, por doença, a pessoa que cuida dele desde pequenino. O pai é uma silhueta anônima numa noite de embriaguez. A ausência da mãe para ele significa que não o quis. Existem outros próximos que ralham com ele. Ou seja, conclui que, sem ela, cairá no abismo e restará apenas o eco de sua existência. Na biqueira se arranja. Cumpre com as determinações. O pagamento lhe oferece bebida alcoólica. Bebida na biqueira e biqueira com bebida. De manhã, volta para casa e desmaia na cama. Não tem mais interesse em comida. Duas ou três vezes me disse: “Se acontecer algo com ela, não tenho mais ninguém”. É quando o vazio cresce e, ao não se aguentar, chuta a parede mais próxima.
Segundo a psicóloga Ana Cristina Codarin Rodrigues, os vazios existentes, as cavidades, predispõem à insegurança que angustia, mas o comportamento afetivo dos pais, dos responsáveis, oferece espaço para a percepção de que possuem um lugar no mundo, se distanciando da apatia e da agressividade.
A experiência do envelhecer também amplia ou cria novos vazios. Quantas despedidas de pessoas que os sentimentos concluíam que eram para sempre. Como cantava Vinícius de Moraes “E por falar em saudade, aonde anda você?”. Com os vazios, os receios e inquietações nos amarguram sem conseguirmos dar um nome ou dizer de onde vieram. Se os alimentarmos no vitimismo, podemos adoecer. Pessoalmente, mesmo que o coração aperte e me confunda, nos meus vazios, busco a luz de Deus para me mostrar o que está acontecendo.
Domingo passado, o Padre Márcio Felipe de Souza Alves, na Missa do Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, disse, em sua homilia, que Jesus é o grande peregrino que caminha conosco. Ele não resolve nossos problemas, mas nos dá coragem e segura em nossas mãos.
Enfatizou que o Senhor vê a aflição de Seu povo, ouve o Seu clamor. Conhece nossos sofrimentos e Ele não Se cansa de nos salvar.
Que o Senhor me torne plena de afeto que assopra a dor dos vazios.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)