Os “ismos” estão na moda. Um deles é o etarismo, ou ageismo, ou idadismo. Significa o conjunto de práticas discriminatórias em razão da idade. É alguma coisa ambígua, disfarçada, mas presente em todos os ambientes. Sente-se isso em várias situações.
Quem se propõe a continuar a trabalhar, recebe conselhos como: “Já não está na hora de você descansar?”. Aparentemente, é um carinho, mas no fundo, o recado é: “Você já está velho! Hora de deixar lugar para os moços!”.
Isso fazia sentido no tempo em que o Brasil era o país do futuro. O país dos jovens. Hoje, ele está se tornando uma nação de idosos. A longevidade foi garantida pelas vacinas – que o fanatismo abomina... – pelos medicamentos, pela prática de atividades físicas. Pelos cuidados de quem não fuma, não bebe exageradamente, não consome enlatados e embutidos, nem come ultraprocessados.
A questão da idade é interessante. Quando se tem quinze anos, acha-se a pessoa de trinta uma velha. Quando se chega aos oitenta, os de sessenta são meninos.
Outro dia o fabuloso Ruy Castro escreveu uma crônica muito gostosa de se ler, como são todos os seus textos: “A razão da idade”. E mostrava como partiram cedo desta existência pessoas como Nelson Rodrigues, que morreu aos 68; Tom Jobim aos 67; Vinicius de Moraes aos 66; Villa-Lobos aos 62; Ary Barroso, aos 61; Guimarães Rosa, aos 59; Portinari, aos 58; Clarice Lispector, aos 57; Olavo Bilac aos 53; Garrincha aos 49; Cacilda Becker, aos 48; Glauber Rocha, aos 42; Lima Barreto aos 41; João do Rio, aos 40; Elis Regina, aos 36; Noel Rosa, aos 26. E acrescenta: “É incrível que nos tenham deixado tanto em tão pouco tempo de vida”.
Ruy Castro ficou animado quando lhe disseram que a OMS – Organização Mundial da Saúde, havia reclassificado as pessoas: até os 17 anos, menores; de 18 a 65, jovens; de 66 a 79, meia-idade; de 80 a 99, idosos e, maiores de 100, idosos de longa vida. Isso porque ele se sentiu disparado à meia-idade.
Frustrou-se quando lhe avisaram que essa notícia era fake. Mas o conforto é que continua a pagar meia-entrada.
A morte, a mais democrática das ocorrências de uma vida humana, colhe irremediavelmente as pessoas, seja qual for a sua idade. E a despedida é sempre dolorosa. Minha querida amiga Lygia Fagundes Telles partiu aos 103 anos. Escondeu cinco anos, daí não ter celebrado o seu centenário em 2018, como gostaríamos de fazer.
Mas perdi meus avós maternos aos 59 e já os considerava anciãos. A coleção de mortos jovens habita a nossa memória afetiva, sob a formatação das saudades. Um primo, que chamávamos “Russo”, porque era bem loirinho, morreu afogado ainda criança. Já na adolescência, sentimos a morte do Roblido, que era como chamávamos Roberto Inglês de Souza.
Deixar a vida em plena flor da idade é algo que machuca. Por isso o sentimento partilhado com os amigos Dorothy e Jacyro Martinasso, quando morreu o Antonio Jacyro. O mesmo com Neusa Lemos de Mello e Maurício Barroso, na morte do Sérgio. Quantos outros pais não sentiram essa amputação terrível que é ter de enterrar o próprio filho?
Dor tamanha que sequer tem nome. Quem perde pais fica órfão. Quem perde mulher ou marido fica viúvo. Mas quem perde filho, o que é? A expressão não é bonita, mas o adequado seria “miserável” ou “desgraçado”. Situação que não se quer para ninguém, pois o natural é os filhos enterrarem os pais e não o contrário.
A sabedoria oriental é muito mais apurada do que a nossa. Lá, o idoso é respeitado, reverenciado, ouvido com respeito e consideração. E aqui?
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)