OPINIÃO

Clima reage à agressão

Por José Renato Nalini |
| Tempo de leitura: 3 min

Quando se fala em proteger o ambiente, não se está a exercer o fundamentalismo ecológico folclorizado pelos agressores da natureza. O foco é proteger a vida. Primeiramente, a dos humanos. Não há outro espaço em que se possa desenvolver atividade existencial, senão o planeta Terra.

Será preciso mais catástrofes para que o agronegócio, um dos setores que mais resistem à tutela ecológica, se convença de que acabar com a biodiversidade é fatal para o seu negócio?

Sabe-se que o agronegócio é a alavanca da economia brasileira que tateia estagnada, por falta de discernimento político, por falta de pesquisa e por ausência mortal de uma educação de qualidade. Em 2023, por exemplo, a agropecuária registrou uma alta de 16,3% no PIB. Mas recuou 3,2% em 2024.

Isso em virtude das condições climáticas adversas, que frustraram todas as expectativas de produção na agricultura. Enquanto se aguardava uma safra de 309 milhões de toneladas de grãos para o ano passado, a produção só chegou a 293 milhões.

Todo o cultivo se viu prejudicado pelo clima. Principalmente soja e milho, que representam 90% do volume total produzido no país. Falta de chuva e temperatura elevada, o par diabólico responsável pela decepção.

Se isso é ruim para a agricultura, pior ainda para os humanos. Todos sabem que as mudanças climáticas resultam da excessiva emissão de combustíveis fósseis, causadores do aquecimento global.

O clima está descontrolado em virtude da insanidade humana. As altas temperaturas ingressaram na realidade mundial e também brasileira, pois não estamos fora do planeta. No Brasil, o calor excessivo, seguido de repentino frio, matou quase cento e cinquenta mil brasileiros. Isso significou perda anual de 443 milhões de dólares, para falar a linguagem que o pessoal do business entende.

As temperaturas acima de trinta graus já são suficientes para levar um trabalhador braçal à exaustão por calor, com suor intenso, respiração ofegante e pulso acelerado, além de tontura e confusão mental, alertam Ricardo Zorzetto e Giselle Soares, da Revista “Pesquisa” da Fapesp. A sensação térmica superou os quarenta graus e isso já ensejaria a necessidade de ser internado, se vive em ambiente não climatizado. Que é a imensa maioria das residências de um Brasil que não tem saneamento básico e não oferece água tratada para milhões de nacionais.

O corpo humano funciona regularmente em uma estreita faixa de temperatura interna, só suportando diferença de um grau acima e abaixo dos trinta e seis. Fora disso, surgem os problemas, que são mais graves nas crianças, idosos e em pessoas com doenças preexistentes.

Tudo isso é comprovado pelo Lapae, Laboratório de Patologia Ambiental e Experimental da Faculdade de Medicina da USP, cujo coordenador é o patologista Paulo Saldiva, um estudioso das ilhas de calor.

Ele vem pregando a urgência da adoção e implementação de políticas públicas voltadas à mitigação e adaptação aos efeitos climáticos. Só que agora, diante do recrudescimento dos fenômenos, os cientistas estão com remorso. Foram muito tímidos e conservadores na previsão das consequências do aquecimento global. As coisas estão muito mais sérias. Por isso, em lugar de apenas pensar em atenuação ou mitigação, a prioridade deve ser a adaptação. Criar cidades mais resilientes.

É no âmbito local que as providências devem ser tomadas. Não espere que o governo federal, refém de um Parlamento que só pensa em dinheiro, conseguirá fazer algo de concreto para quase seis mil municípios brasileiros. É no município que as pessoas moram e nele é que as coisas devem acontecer. Aumenta em muito a responsabilidade dos prefeitos. Eles é que têm, hoje, a missão de salvar o seu povo.

 

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. (jose-nalini@uol.com.br)

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