Foi-se a nossa Solange Bocchino. Um exemplo de resiliência. Sempre teve problemas de visão, até perdê-la completamente. Isso não a frustrou. Aprendeu a ler Braille e passou a ser acompanhada por um cão-guia, que viajou com ela por várias partes do planeta, sobretudo os Estados Unidos. Qual o destino desse amigo fiel, agora que ela partiu?
Solange era uma pessoa expansiva, muito alegre e bem-humorada. Pertencia a uma das famílias mais tradicionais de Jundiaí. Seus pais eram Dinah e Dario Bocchino. Era irmã de Sérgio, que a antecedeu e morreu precocemente, levando para o etéreo sua irreverência.
Os Bocchino eram pessoas importantes na cidade. O casal Luiz Bocchino produziu uma prole operosa e de relevo para a Jundiaí do século passado. O primogênito, Generoso Mário Bocchino, era uma pessoa sensata, serena, tranquila e competente. Frequentei muito a bela residência do casal, a mansão senhorial que fora sede do Tênis Clube de Jundiaí. Situava-se na esquina da Rangel Pestana com a rua da Padroeira.
Ali reinava D. Mary Lopes de Oliveira Bocchino, que, por coincidência, herdara a qualidade que o marido tinha no prenome: era a generosidade em pessoa. Três filhos: o arquiteto Mário Augusto, Anna Maria e Maria de Lourdes, a Údi, que também já foi chamada para a eternidade.
Como colega de classe do Mário Augusto no Divino Salvador, muitas vezes participei dos almoços dos Bocchino e ficava impressionado com aquele caramanchão coberto de glicínias, uma trepadeira oriunda da China, que produz cachos entre azul e roxo e exalam perfume. O nome científico é Wisteria, um género botânico pertencente à família Fabaceae. São lianas conhecidas popularmente por glicínias. Nunca vi outras, em nossa cidade, que florescessem tanto como a dos Bocchino.
Foi o Seu Mário Bocchino que cuidou da minha declaração de IR, assim que tive de começar a prestar contas para a Receita Federal.
Os Bocchino construíram o primeiro prédio na Praça Governador Pedro de Toledo, com a “Galeria Bocchino”, uma novidade na década de sessenta do século passado.
Os outros irmãos eram Fausto, casado com Bianca De Vecchi e pai do Fábio, do Roberto e da Silvia. Luiz Alcebíades, casado com Lilah Caiubi e pai de várias filhas, uma das quais foi minha aluna, quando lecionei, a convite do Prof. Nassib Cury, na Escola Superior de Educação Física de Jundiaí e infelizmente já também falecida, a Laura Beatriz.
Alberto, o derradeiro dos Bocchino, não teve prole. E a única mulher era Iole, casada com o médico Luiz Toledo, família radicada em Ribeirão Preto. Três filhos homens. Um dos gêmeos, Carlos Alberto, o Caíto, ingressou no Ministério Público e trabalhou comigo em Barretos, minha primeira comarca na condição de Juiz, entre 1976 e 1979.
Gente muito boa os Bocchino. De primeiríssima qualidade. Eram tantos, restam tão poucos. Subsiste a Galeria Bocchino. Embora não caminhe mais pelo centro da cidade, tão transformado, nem sempre para melhor, desconheço a existência de outra galeria para receber comércio e serviços, algo que foi bem pioneiro à época.
Mas estas divagações surgiram ao tomar conhecimento da morte de Solange Bocchino, tão doce, tão paradigmática ao transmitir esse modelo de superação para a deficiência visual. Tão corajosa, tão amiga. Aos poucos, vamos perdendo nossas amizades, nossas referências, nossas mais caras riquezas afetivas. Viver bastante propicia esse encontro com a dor. Mas sofrer perdas, para muitas pessoas, ainda parece preferível a também morrer.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)