OPINIÃO

Por um real


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A moça chegou à reunião da Pastoral da Mulher/ Magdala de tipoia no braço direito.

Conheço-a faz uns vinte anos, quando visitava o marido na cadeia do Anhangabaú. Cumpriu pena por pouco tempo, pego em flagrante em furto de três pacotes de biscoito. Naquela época viviam com migalhas. A mãe deixou a casa de dois cômodos para ela. Ele cresceu em orfanato. Na escola não passaram da terceira série. Tiveram filhos. Alguns deles cresceram em estabelecimento sob a proteção da Justiça. Permanecem com raros olhares de respeito, solidariedade, de gente que ouça suas dores. Jamais os vi ou os escutei com reações violentas. Os dois são de fé imensa em Deus.

Viver dói sim e bastante, em especial nos que moram nas beiradas das cidades envoltos em inviabilidades. São de esperança reduzida e se adaptam aos que possuem maior poder e perante à sociedade que os deseja distantes. Possuem uma conformação que me incomoda como se não tivessem direito a nada. 

Falou-nos que quebrara o braço em um tombo na saída da lanchonete, ou melhor, ao explicar, na verdade lhe quebraram o braço.

Estava de bexiga estourando – raramente alguém desconhece esse incômodo – e entrou para utilizar o banheiro do local. Sabia do valor do uso para quem não está consumindo ou bebendo. Considero normal que se cobre, pois é preciso manter o lugar limpo e comprar produtos de limpeza. Ela não pagou na entrada porque não aguentava mais segurar. Na saída, entregou os dois reais. A dona ou irmã da dona, não sabe qual a função da pessoa, disse-lhe que aumentara para três reais. Ela possuía somente os dois. Respondeu-lhe que iria buscar mais um com o marido que naquele hora olhava carro. A responsável a empurrou para fora com violência tal, que ela caiu do degrau e se machucou.

Quis saber de sua atitude em seguida. Começou a chorar de dor e de vergonha. Um taxista, que a conhece, bem como ao marido, ofereceu-se para levá-la ao pronto-socorro. Concluiu que estava errada. Deveria ter perguntado o valor atual, mas, se demorasse mais pouco, ficaria toda urinada. Acrescentaria nela os olhares de exclusão.

Fiquei indignada e triste pela situação. Veio-me a fala do Padre Márcio Felipe de Souza Alves, Pároco e Reitor do Santuário Santa Rita de Cássia, em 16 fevereiro. Naquela data, refletiu, em sua homilia, a partir do Evangelho das Bem-Aventuranças (Lucas 6, 17.20-26): “Deus quis escolher gente desqualificada. Quando o Senhor chamou o profeta Isaías, ele Lhe respondeu que os lábios dele eram impuros. Pedro falou a Jesus: ‘Afasta-Te de mim, pois sou um homem pecador’. Paulo comentou que era visto como um abortivo.  Desqualificada, porque Ele conduz e vai qualificando. Sem caráter, ele não escolhe. Sem caráter não consegue participar do convívio com Deus”

Na Missa de oito de março, no Carmelo São José, nosso Bispo Emérito, Dom Vicente Costa, enfatizou, a partir do chamado de Levi, cobrador de impostos, a seguir Jesus, que o olhar do Senhor é sempre pleno de amor pelos desqualificados e nunca para afastá-los.

Independente da crença, a Constituição Federal assegura que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, mesmo por aqueles que não têm caráter.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

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