OPINIÃO

No Carnaval será que vale tudo?


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O conteúdo desse texto foi publicado originalmente há algumas semanas em uma de minhas redes sociais e o adaptei para essa coluna por estarmos em pleno ritmo de Carnaval, uma das festas preferidas dos brasileiros,  se não a mais.  Vivenciei a história e, portanto, falo daquilo que eu mesma vi, sem que ninguém tenha vindo me contar. 

Um bloquinho animado e um ensaio de bloco tradicional de rua do Carnaval da cidade como cenário. Num grupo de casais os homens portavam placas com as inscrições "Tem Dona!", e suas companheiras vestiam tiaras onde lia-se "Dona!". A partir disso dou a vocês contexto à minha reflexão.

Aviso: esse raciocínio pretende abordar uma coragem adulta de discutir os equívocos comportamentais históricos da construção social da monogamia. E, antes que vocês se antecipem, afirmo que não compro fácil determinadas narrativas. Uma delas versa sobre a lógica maniqueísta do ser contra ou a favor de qualquer escolha de vida. Nem de longe, aviso,  trata-se de defender a não monogamia e também de emitir juízo de valor sobre absolutamente coisa nenhuma. Está bem?

Recado dado, vamos lembrar qual é a razão de existir da festa do Carnaval. Em que pese sua herança de significado cristão religioso de essência pagã,  devidamente distorcida ao longo dos séculos, acima de tudo estamos falando de uma celebração cultural. E como tal, quais é o recado fundamental a dar?

Como na antiguidade e transportando para a atualidade, o Carnaval é uma gigante reunião pseudo libertária mas tá, essa é outra discussão pra um outro texto.

A educadora para a sexualidade que em mim habita simplesmente não consegue olhar uma cena dessas e não propor, no mínimo um parar pra pensar... Quando foi que os arranjos relacionais adotaram sentido e significado de tamanha distorção tal que, o vale tudo que dizem ser o Carnaval autorizou a falta de ética e respeito pela (s) parceria (s) alheia (s)?

Ora, quando foi que, somente porque é Carnaval adotou-se o direito à lascívia errante de cobiçar pessoas claramente compromissadas sem que tais tenham dado sinais claros de permissão para flertes com outras?

Por outro ângulo, quando foi que declarar pares como propriedades em indumentária fantasia de festa garante blindagem comportamental de ultrapassagem dos mesmos limites da ética e do respeito?

Ao querer auto afirmar a parceria por viéses de propriedade  monogâmica, perde-se a oportunidade de justamente mostrar o lado mais belo de uma relação : a confiança nela. Seja qual for o seu acordo, a insegurança é uma variável que, apesar de nunca estar ao nosso inteiro controle, não deveria ditar a regra da convivência em sociedade, sob pena de anular as bases e os pilares que a mantém. O auto engano da posse portanto, sempre será esvaziado de sentido pra quem acredita que monogamia é sobre isso. Eu lamento e muito, muito mesmo.

Mas, apesar de lamentar, também considero ser possível concordar com a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, maior autora brasileira em estudos do comportamento não monogâmico e que recentemente escreveu em sua rede social que “...o Carnaval parece funcionar como um período em que pessoas dão uma trégua à censura que se impõem durante o ano...” Certo, Regina, mas há duas coisas que jamais poderão ser esquecidas : o preservativo e a ética.

Márcia Pires é Sexóloga e Gestora de RH (piresmarcia@msn.com)

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