Amanhã, para muitos brasileiros, terá início o Carnaval. São quatro dias de folia e, na quarta-feira, começa a Quaresma. Serão quarenta dias de oportunidade para refletir no sentido da vida. As novas gerações já não se entregam aos rituais de antanho, em que se fazia jejum e abstinência. Não se ouviam músicas sensuais. As imagens nas Igrejas eram cobertas com um tecido roxo. Hoje, os costumes se tornaram desenvoltos e, muitas vezes, libertinos, mais do que libertários.
Mas ainda se realiza a Campanha da Fraternidade, movimento de Igreja que, neste 2025, tem o lema “Fraternidade e Ecologia Integral”. O texto base elaborado pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil já começa com o Gênesis: “Deus viu que tudo era muito bom”.
É algo que faz pensar. Tudo era muito bom e nós colaboramos para fazer o bom ficar ruim. É aquilo que fazemos com a natureza, que tratamos como estática fonte de recursos de onde tudo se tira, nada se repõe. Por isso a Igreja, sob a liderança de um Papa ecológico, o Francisco, inspirado no pobrezinho de Assis, que a todos chamava “Irmão” e “Irmã”, novamente invoca a responsabilidade cristã em relação ao ambiente.
O Papa Bergoglio já produziu três importantes documentos ecológicos. E, nesta Quaresma, o objetivo geral é promover, em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra.
Que importante refletir sobre isso. Ouvir o grito dos pobres, as vítimas preferenciais dos fenômenos extremos que constituem a resposta da natureza ferida aos atentados que sempre sofreu e ouvir o grito da Terra. A Terra está a berrar, a esgoelar, a perder condições de se recuperar, tamanha a crueldade de quem a polui, conspurcando o solo, a água e a atmosfera. De quem desmata. De quem machuca o verde. De quem priva de abrigo e alimento os homens, os pássaros, os peixes, a flora.
É mais do que necessário recordar do Homem do Milênio, Francisco de Assis, e reconhecer o caminho percorrido e as ações já iniciadas com a Encíclica Laudato Si, para que elas tenham continuidade e sejam fortalecidas. Também ter coragem de denunciar os males que o modo de vida atual impõe ao planeta, cuja consequência é gerar uma complexa crise socioambiental, desrespeitando a regra divina de que, em nossa Casa Comum, tudo está interligado.
Quantos ainda não conseguem compreender que tudo está estreitamente interligado. Há diferença quase nenhuma entre todas as espécies de vida. Por isso é que a água é nossa irmã, a árvore é nossa irmã, o cavalo é nosso irmão, as andorinhas e os pardais são nossos irmãos.
Quando deixamos a biodiversidade morrer, também morremos um pouco. Somos apenas um elo, e talvez não o mais importante, dessa complexa cadeia em que tudo tem importância, embora a ignorância o não perceba. Quais as causas da grave crise climática global, em que as mudanças já passaram a ser urgências, e as nossas respostas nem sempre racionais, mas calcadas no interesse do lucro, na ganância que só aprofunda a situação miserável do planeta e dos que moram nele.
Que a Campanha da Fraternidade nos leve a assumir a solidariedade em relação a todas as categorias vitais que medram neste planeta. Não sobra muito tempo para a conversão ecológica. O agravamento da situação climática é evidente. Quem pode negá-lo? E lembrar sempre que não é a Terra que perecerá. Ela continuará a existir, como astro bastante insignificante no Cosmos. Mas prescindirá da espécie humana para isso.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)