No início deste mês, o governador Tarcísio de Freitas reuniu no Palácio dos Bandeirantes 53 prefeitos paulistas para anunciar a liberação de R$ 64 milhões do Fundo Estadual de Recursos Hídricos, o Fehidro, para a realização de obras de drenagem.
Em tempos de Oscar, um roteiro perfeito. À primeira leitura, imaginamos que o governador, sensibilizado pelo impacto das chuvas deste verão, colocou para funcionar um plano emergencial de combate aos problemas provocados pelas tempestades.
Mas como em um filme, uma surpresa inusitada aguardava os prefeitos convidados. Os R$ 64 milhões anunciados por Tarcísio não eram dinheiro novo. A cifra é resultado da soma de projetos de drenagem indicados nos últimos dois anos nos Comitês de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, da Baixada Santista e do Vale do Paraíba.
Adicione a esta conta os cerca de R$ 20 milhões estimados em projetos que não foram apresentados a tempo – e agora voltam à pauta – e chegamos ao número mágico de R$ 64 milhões. Um dinheiro que sempre esteve à disposição dos municípios para projetos hídricos, inclusive de combate às enchentes.
Tarcísio mobilizou prefeitos e convocou a imprensa para noticiar uma não notícia, uma piada de mau-gosto para quem aguardava uma solução concreta para um problema tão sério. Todos os anos São Paulo padece do mesmo drama provocado pelas enchentes, em uma reprise de filme sem final feliz.
Desde o início da Operação Verão, em dezembro do ano passado, foram registradas 21 mortes e dois desaparecimentos em decorrência das chuvas. O caso mais recente é o de uma mulher que dirigia um carro de aplicativo e foi arrastada por uma enxurrada na zona Norte de São Paulo na última terça-feira.
Isso sem falar no prejuízo econômico. Um estudo publicado neste ano pela Fiemg, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, estima em R$ 45 bilhões as perdas financeiras provocadas entre 2020 e 2023 por eventos climáticos extremos de caráter hidrológico em todo Brasil, com 573 mil empregos afetados. De certo, São Paulo contribuiu com uma fatia expressiva destes números.
Nas últimas semanas, temos sentido na pele os efeitos das mudanças climáticas. As ondas de calor têm deixado os termômetros próximos dos 40°C em algumas cidades paulistas. Segundo meteorologistas, as altas temperaturas têm se tornado cada vez mais comuns e devem piorar com o planeta em constante aquecimento.
Nós já sabemos o resultado desta equação: quanto maior o calor, maior potencial para a formação de tempestades extremas que colocam em risco as nossas cidades. Se o problema já é conhecido, as soluções para ele também o são. E precisam ser executadas.
Ao longo dos anos, acumulamos experiência e desenvolvemos ferramentas capazes de mitigar os danos causados pelas chuvas, como piscinões, contenção de córregos e encostas, sistemas auxiliares de drenagem, entre tantas outras soluções de engenharia.
Há inclusive urbanistas que propõem uma abordagem diferente, que não se resume a obras de engenharia, nem as prioriza. São projetos de permeabilização do solo que permitem a infiltração da água em toda a cidade, grandes áreas arborizadas, lagos e recuperação de várzeas.
Conter a força das águas é um desafio imenso, mas que precisa ser enfrentado como uma política de Estado e não com discursos vazios, como o que o governador Tarcísio de Freitas fez para os prefeitos no início deste mês.
É preciso arregaçar as mangas e trabalhar sério, para que esse drama das chuvas tenha finalmente um final feliz.
Mário Maurici de Lima Morais é jornalista. Foi vereador e prefeito de Franco da Rocha, vice-presidente da EBC e presidente da Ceagesp. Atualmente, é deputado estadual em São Paulo