Nem sempre damos atenção a esse pedaço de território, quase sempre retangular, chamado quarteirão. Ele está presente na grande maioria de nossas cidades. É um traçado antigo, presente nos municípios há muitos séculos. Já era utilizado como técnica de repartição do solo pelos romanos e é realidade na maior parte das povoações coloniais da América Latina.
Quem quiser conhecer melhor o quarteirão precisa ler o livro “O quarteirão como suporte da transformação urbana”, escrito pelo Professor da FAU-USP Felipe de Souza Noto. A publicação está disponível gratuitamente para download no Portal de Livros Abertos da maior universidade brasileira.
O autor estranhava as limitações do planejamento urbano no Brasil, em regra centrado em duas escalas: o lote e o Plano Diretor. O lote é a disciplina das dimensões formais e serve de base para o design das construções. O Plano Diretor integra o zoneamento, definidor das destinações de uso, áreas de adensamento e outras diretrizes genéricas.
Já o quarteirão, um conjunto de lotes, seria o espaço de mediação entre o desenho da cidade e suas dinâmicas de ocupação. Quem vier a ler o interessante livro constatará que o quarteirão serviu de ferramenta de ordenamento territorial desde os romanos, até o período das reformas das capitais europeias no século 19.
A colonização espanhola adotou a lógica de traçados regulares, que geravam quarteirões uniformes, enquanto os portugueses edificaram cidades menos ordenadas e com variação maior de distribuição dos espaços.
Deve-se ao arquiteto e urbanista Benjamin Adiron Ribeiro a criação, em 1972, da primeira Lei de Zoneamento de São Paulo e ainda hoje é conhecida a “Fórmula de Adiron”. Ela consistia em estimular a construção de prédios mais altos, com menor ocupação de espaço do terreno. Foi o que favoreceu a verticalização da capital, embora com reduzida densidade populacional. Disso resultou uma urbe fragmentada, com vias menos ativas e espaços públicos reduzidos. O modelo espalhou-se logo e foi adotado por uma série de burgos.
Mais recentemente, iniciou-se a desconstrução dessa lógica, mediante revisões do Plano Diretor. Incrementou-se o incentivo ao uso misto, assim como integração maior entre edifícios e ruas. Registra-se uma tendência pela busca de ambiente urbano mais dinâmico, a traduzir-se em ocupação de áreas públicas, tais como praças e calçadas. O propósito é fazer com que a metrópole multiplique territórios mais frequentados e vivos. Não há porque deixar de repensar qualquer cidade brasileira e o que será preciso nela para propiciar um convívio mais saudável entre seus moradores.
Para isso, é importante que a cidadania continue a participar dos processos de tomada de decisão, quanto à sua demanda por uma cidade mais acolhedora, em que haja consciência de que ela existe para os seus habitantes. Os quarteirões poderiam se organizar como células de reivindicação, com representantes que fizessem chegar à Edilidade local os seus anseios. É da discussão franca, em ambiente de colaboração entre a comunidade e o Poder Público, que deveriam brotar as políticas urbanas.
Vários projetos podem ser desenvolvidos, de acordo com a disponibilidade do voluntariado interessado na consolidação de laços de saudável convívio entre os habitantes de um mesmo quarteirão. Isso pode começar no seu quarteirão. Quantas pessoas que nele residem você já conhece? E o que tem feito para ampliar o seu contato com os demais?
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)