Vejo muita gente se questionando após a fala de Cristiano Ronaldo dizendo ser “o jogador mais completo” que existiu. Mas não é algo enviesado o comparativo entre épocas diferentes?
Nos primórdios com Lêonidas, Puskas ou Di Stéfano, as regras de futebol e a velocidade do jogo eram muito diferentes. Idem aos esquemas táticos. Mais ainda: a minha (e a geração de boa parte das pessoas vivas) não conseguiu acompanhar a carreira daqueles atletas (nem por vídeos, a maioria raros).
No tempo de Pelé, Garrincha, Cruyff, Beckenbauer ou até mais recentemente, Maradona, as regras já eram outras. A transição do surgimento dos cartões ocorreu e o nascente marketing esportivo dava as caras. O registro, em fitas, surgiu. Os espaços eram ainda diferentes dentro das 4 linhas.
Nos dias atuais, contamos com a globalização e a Internet, onde você assiste partidas dos torneios Sub 15 da Letônia ou do Egito ao vivo. Todos se conectam, em qualquer lugar do globo. Vemos Messi, Cristiano Ronaldo, Mbappe ou Neymar (quando pode jogar) à exaustão. Temos o VAR, material esportivo com tecnologia de ponta e outras nuances.
Diante disso, como comparar se alguém que joga “na posição de camisa 10” é melhor do que um “nato camisa 9”? Aliás, só se discutiu melhor do mundo na defesa com Canavarro. E se é difícil a comparação nos dias de hoje, como comparar os atletas com realidades e mundos diferentes entre a história?
Chega a ser ilógico querer afirmar que um atleta dos anos 30 foi melhor ou pior do que o dos anos 90 (ou de 2025). Não temos registros de imagem! Tudo era diferente…
De tal forma, valorizemos os craques sem a neurose (demonstrada por CR7) de elencar uma lista dos melhores em rankings.
Outro fator preocupante no futebol: o comparativo de grandeza ou pequeneza de clubes!
Ao elencarmos times, vemos alguns traumas: temos dificuldade em reconhecer, aqui no Brasil, que um time grande se apequenou e um pequeno cresceu. É tradição do futebol local e a cultura do nosso meio-esportivo.
Mas isso é o ciclo natural do futebol, admitamos: Grandes podem se apequenar, e nanicos se agigantarem.
Dois exemplos: vejam o Nottingham Forest da Inglaterra (que é de 1865!), campeão da Liga dos Campeões da Europa (UCL). O que ele virou? Ou o Nuremberg, o maior campeão da Alemanha (superado e muito pelo Bayern de Munique), onde está? Esses dois times foram (muito) grandes. Outros, pequenos, ganham destaque. O próprio Bayern, antes de Franz Beckenbauer, o que era? Ou o PSG, quase um anônimo na própria França antes dos anos 90 e que se tornou famoso pelos investimentos catarianos?
Neste do mundo da bola, lembremos: passamos por diversas fases, do amadorismo ao profissionalismo, das guerras em estádios arcaicos às arenas modernas, e, aparentemente, estamos começando a transformação definitiva das gestões de clubes associativos para entidades empresariais.
Vide o City Group (dono do Manchester City e demais “filiais”), as equipes da MLS num sistema parecido com a NBA (Orlando City, Cincinatti), os gigantes ingleses da Premier League (com seus proprietários de diversas origens – lícitas ou até contestadas – de todas as partes do globo e, aqui no Brasil, novas e emergentes equipes, algumas em estágio mais modesto (Audax), e outras mais avançado (Red Bull Bragantino). Outras ainda, de modelos de sucesso (Etti Jundiaí – Paulista FC, co-gestão Palmeiras-Parmalat, ou Santál-Juventude de Caxias), que deram um pontapé inicial mas mudaram os rumos em algum momento do caminho.
O clube-empresa (ou a SAF) não é apenas uma necessidade, mas uma realidade irreversível. É questão de tempo!
O problema é: quando estamos vivendo uma história de transformação, teimamos em não entender as mudanças ao invés de aceitá-las plenamente. Talvez Vasco, São Paulo, Corinthians, Atlético-MG e tantos outros não se deram conta disso, visto suas dívidas milionárias…
Daqui 20 anos, quem serão os “grandes de verdade”, ou melhor, os “remanescentes” na elite do futebol brasileiro?
Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional (rafaelporcari@gmail.com)