Ao Podcast Ticaracaticast, o árbitro FIFA Raphael Claus deu uma descontraída e bacana entrevista aos apresentadores e humoristas Bola e Carioca.
Nela, ele falou de carreira, arbitragem, futebol e curiosidades. Mas me chamou a atenção um trecho que nos permite uma ampla discussão: a da importância e/ou facilidade em se fazer gols.
O juizão disse:
“Uma coisa que eu acho que é a magia do futebol: se começar a sair muitos gols – isso é um pensamento meu, do Claus – se começar a sair muitos gols vai perder a magia do futebol, porque vai passar a ser igual aos outros esportes, igual ao basquete, igual ao vôlei; por que o que acontece: o favorito dificilmente perde; e se [no futebol] tiver muitos gols, dificilmente o favorito vai perder também. Agora, quando você joga por uma bola, e o cara ganha aquele jogo por uma bola… (…) O futebol gera isso, pois nem sempre o favorito ganha. (…) Se começar a sair 10 gols por jogo, ah, não é assim (…).”
Eu entendi o que ele quis dizer: que o futebol é apaixonante pois nem sempre o melhor ganha, permitindo que quem não seja favorito ou que um time pequeno vença. Nessa fala, Claus se preocupa em não vulgarizar o gol e preservá-lo como algo precioso.
Porém… eu discordo respeitosamente desse pensamento. Justamente o gol, tão precioso, deve ser a busca constante no desafio. Quando o time pequeno joga por uma bola, e sai o gol, acabou o jogo. Ele se retranca, os atletas caem em campo, existe a cera e o espetáculo morreu. Os grandes jogos da história do futebol doméstico foram de placares elásticos: quem não se lembra daquele Santos 4×5 Flamengo em 2011 na Vila Belmiro? Ou do ano retrasado, Botafogo 3×4 Palmeiras, pelo Brasileirão? Ou Santos 5×2 Fluminense, com Giovani Messias em 1995? Ou, mais atrás, Santos 7×6 Palmeiras, o “jogo do infarto”, de 1958? E aí pergunto: alguém se lembra de jogos com 0x0 de tanta emoção?
Aliás, todos os esforços da FIFA giram em torno de aumentar o tempo de jogo e um maior número de gols: vide as sugestões de maior duração do tempo de uma partida, cronômetro parado, impedimento somente por corpo total, e outras ideias para favorecer os atacantes? Isso, inclusive, é uma reclamação dos zagueiros e goleiros, pois os defensores nunca enxergam “regras a seu favor”.
Há algum tempo, li um artigo de um diretor do Liverpool-ING (permita-me não lembrar o nome, tentei achar em meus recortes guardados para textos sugestivos). E ele dizia que o maior desafio para a Geração Z (e provavelmente, será também para a nascente Geração Beta) é conseguir fazer com que um adolescente permaneça 90 minutos prestando a atenção num jogo de futebol, em especial se ele não tiver gols! Com o advento da tecnologia, das multitelas e outros gadgets, fica difícil segurar o foco de um jovem exclusivamente numa partida, sem grandes atrativos técnicos ou gols.
Alguns dizem que a dificuldade da popularização do soccer nos Estados Unidos se deve ao fato dos placares elásticos de lá, como beisebol, futebol americano, basquetebol, entre outros. Logicamente e concordando com Claus, o favorito sempre ganhará neles. Mas no “nosso esporte-bretão”, a cultura é diferente.Incentivar a busca por gols, não incentivar a retranca, promover o Fair Play e “o jogo pra frente”, saindo ou não muitos gols, não tiraria a paixão do torcedor; ao contrário, o faria aflorar ainda mais o gosto pelo espetáculo.
Não é questão de vulgarizar o gol, mas sim de tratá-lo como objetivo maior do futebol.
Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional (rafaelporcari@gmail.com)