OPINIÃO

Os vagabundos eficazes


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Acabo de ler “Os Vagabundos Eficazes – Operários, Artistas, Revolucionários: Educadores”, publicado no fim de 1947, por Fernand Deligny (1913-1996), educador francês e considerado entre as maiores referências de educação especial.

Preferia, em lugar de educador, ser considerado ‘poeta e etólogo’. Durante mais de 50 anos trabalhou com crianças ou jovens considerados à parte. Tratava-se para ele de buscar novas formas de lhes dar uma oportunidade de sobreviver em uma sociedade excludente e normativa. Repudiava qualquer tipo de encarceramento, preferindo a criação de circunstâncias e de espaços para trocas e encontros.

No livro, Deligny narra a experiência de quase um ano de funcionamento do Centro de Observação e de Triagem (COTI) do qual foi educador. Aberto logo após o fim da guerra, quando os traços de cessar-fogo eram novos, estando presentes: ruínas, veículos abandonados, o corpo enterrado de um homem assassinado por nazistas, o racionamento de comida, a pobreza das ‘crianças’ perdidas. O seu trabalho formava uma pedagogia onde não se trata de ‘amar’ os integrantes, mas de ajudá-los, de ensiná-los a sobreviver e um mundo que lhes era hostil, em primeiro lugar, por conta de sua origem social.

Considero os seus conceitos totalmente atuais em uma sociedade com tantas diferenças sociais em que oportunidades são reduzidas aos empobrecidos.

Para ele, crianças e adolescentes eram “abortados” de determinados convívios, por suas reações e analisava do ponto de vista de que situação vieram. Os pais são como a sociedade os força a ser. Essencial ver como mudar realmente as condições de vida deles. Crianças e jovens massacrados por sua história, reagem como afogados: ao reviver, começam por vomitar. Será no encontro com seus dons que o vômito interromperá.

Concordo com o seu conceito de sobre o verdadeiro educador: é um criador de circunstâncias, capaz de fabricar um novo meio para o inadaptado. 

Para um estudo mais apropriado dos considerados inadaptados ou inadequados, sugere uma ficha de observação contendo: forma de violência, duração e frequência. Afirma: “Para nós, acolher um moleque não é livrar a sociedade dele, eliminá-lo, mas sim reabsorvê-lo, docilizá-lo”.
Salienta que há aqueles que de tanto ouvir sabem falar, e há aqueles que de tanto tentar sabem fazer. 

O Centro de Observação, que ele dirigia, foi encerrado pela administração, creio que pela falta de consciência da importância do projeto e, segundo o autor, pelo cheiro de humano. 
Anos depois, Fernand se encontrou com ex-integrantes do projeto e, de acordo com suas capacidades, estavam trabalhando e inseridos em seu meio. Não “vomitavam” mais os desastres de sua história. 

Os “vagabundos eficazes” sãos os que trabalham com os inadaptados, mal vistos aos olhos do mundo, “encontram-se face a face com as crianças em sua fantasia fúnebre”, mas, como diz o autor, “são eficazes porque atentos às circunstâncias disponíveis, ricos em aptidões. (...) São educadores de presença leve, provocadores de alegria, sempre prontos a remodelar bolas de argila (...) maravilhados pela infância. Esperança”.

Foi nosso tema para o planejamento da Associação Socioeducacional Casa da Fonte em 2025.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br).

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