OPINIÃO

A linguagem monossilábica


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Com certeza a língua falada é muito mais simples que a escrita, mas ultimamente, confesso, que não consigo entender alguns “dialetos” ditos por jovens. Igualmente, fico perplexa ao ler os comentários abaixo das publicações nas mídias sociais, palavras dilaceradas ao meio, pontuação inexistente. E a concordância verbal?O que é isso? Sem contar com as mensagens cifradas do WhatsApp, escritas em português(?) que necessitam de tradução.“Se cada um escrever do seu jeito, a comunicação pela escrita fica difícil”, afirma João Wanderley Geraldi, professor, estudioso de linguística aplicada ao ensino de língua portuguesa no Brasil. Ele propõe ensinar português a partir do texto com a prática da leitura, produção e análise linguística. 

Assim como os seres humanos,a língua é viva, nasce, se desenvolve, muda, sofre influências e morre. Ela é a expressão cultural de seu povo, sua carteira de identidade. As transformações sociais, culturais, políticas e econômicas estão retratadas na evolução da linguagem e da sociedade. Da mesma forma que as mudanças aceleradas estão atropelando o cotidiano, a língua é um reflexo do que acontece com o cidadão.

Por um lado, o uso da tecnologia tem facilitado a vida das pessoas como automação de tarefas permitindo o uso do tempo em trabalhos mais complexos;o acesso instantâneo à informação, ampliando o conhecimento e a conectividade global; e a simplificação de atividades, como compras, comunicação e educação, tornando a vida mais prática e acessível. De outro, o frenesi do corre-corre diário, a quase imposição de conexão e atualização constante e imediata, já que tudo está à disposição em um click, tem gerado um caos mental, principalmente quando não se consegue estabelecer um limite para tanto estímulo. O sociólogo norte-americano, Richard Sennett, argumenta que“as tecnologias ditas inteligentes, nos distanciam cada vez mais da inteligência humana e da complexidade social.”

Um verdadeiro atropelo é presenciado cotidianamente na fala e na escrita. É inegável a influência das mídias sociais, principalmente entre os jovens. Uma das consequências é que, pela primeira vez na história dos humanos, a geração atual possui um QI inferior ao de seus pais. A constatação é do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, autor do livro "A Fábrica de Cretinos Digitais". Segundo pesquisa do cientista, as consequências são atrasos na maturação cerebral, especialmente em áreas relacionadas à linguagem e atenção, impactos negativos no desempenho acadêmico e no desenvolvimento emocional das crianças.

A linguagem monossilábica praticada pela nova geração expõe o emburrecimento e a falta de habilidade de pensamento crítico.  Escrever à mão fortalece a retenção de informações ao envolver mais áreas do cérebro relacionadas à memória e à compreensão; estimula habilidades motoras finas; promove conexões neurais,especialmente em regiões ligadas ao aprendizado e à cognição; pensamento criativo e crítico além de foco e atenção. Então, exercitar a escrita à mão está fazendo falta aos nossos jovens, assim como ler e interpretar textos! Não é saudosismo dos tempos dos saraus de leitura, mas constatação. Aproveitemos ao máximo o que a tecnologia nos oferece, sem nos deixar emburrecer.

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)

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