OPINIÃO

Rio é melhor do que represa


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Há alguns dias, a manchete do JJ era a situação dos rios, que não retomam o nível satisfatório. É um fenômeno universal o da escassez hídrica. Lamentavelmente, o país que foi naturalmente provido de imensa quantidade de água doce, cometeu a insanidade de produzir desertos. O desmatamento, a ocupação irregular do solo, a agricultura não ecológica, a pecuária devastadora, a poluição do solo e da atmosfera também chegaram às águas. Águas doces e águas salgadas. A costa litorânea do Brasil, que seria um patrimônio ecológico traduzível em bilionário turismo, tem sido transformada num pardieiro de construções que não respeitam mangues, restingas e inundam o oceano de imundície plástica.

Mas a preocupação maior é com os rios e demais cursos d’água. Não há espaço no território brasileiro que registre abundância do líquido sem o qual não se vive. Pode-se subsistir sem petróleo, mas sem água, impossível.

Há poucos dias, também a repórter Juliana Domingos de Lima, do Estadão, mostrou a situação trágica da Amazônia. Focou Manacapuru, na região metropolitana de Manaus, lugar antigo que já sediou o povo indígena Mura. Era a “princesinha” do Rio Solimões. O curso d’água foi o sustento, as tradições e a mobilidade dos moradores. Só que este ano, a estrada fluvial foi bloqueada pela maior seca já registrada no afluente do Amazonas. O que era floresta e água agora é deserto.

Já não há sequer água para tomar banho e beber. A renda dos pescadores caiu a zero. Ele anda mais a pé do que de canoa por aquela belíssima estrada fluvial desaparecida.

É recomendável que em Jundiaí as autoridades municipais tenham acesso ao livro “Como evitar futura escassez hídrica”, escrito pelo engenheiro agrônomo Nelson Luiz Neves Barbosa, especialista em nossa Bacia Hidrográfica, a dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Ele adverte que a crise hídrica não terminou. Ao contrário. Ele afirma que os reservatórios, as barragens, são soluções fictícias. O que é necessário é manter trabalho preventivo, para recuperar e preservar a quantidade de água necessária a atender às necessidades básicas da população.

Jundiaí não para de crescer. Precisa oferecer água para os atuais e futuros moradores. A crise está aí e o foco precisa estar em escassa quantidade de água. Já estivemos à beira de um colapso insustentável por falta de água disponível. E isso porque faltou gestão correta, com a realização de obras sustentáveis, de acordo com a natureza.

O cuidado com as águas precisa de equipes multidisciplinares e de formação e capacitação contínua de equipes técnicas responsáveis. É urgente revalorizar as áreas rurais, começando pela degradação contínua que ocorre no interior delas. Ter noção da perda de vazão das redes hídricas, combater os processos erosivos e recuperar nascentes.

Os problemas da perda de vazão das redes hídricas estão na degradação das áreas rurais e na especulação imobiliária que quer tornar urbano todo e qualquer centímetro quadrado, esquecendo-se de que uma cidade precisa de zona rural para ser aprazível e oferecer vida digna aos seus habitantes. Não se trabalha para conseguir a adesão do produtor rural e para convertê-lo num amigo, não num detrator da natureza. Melhorar o PSA, pagamento por serviços ambientais. Fomentar o replantio das áreas degradadas. Provar ao homem do campo que é melhor preservar do que degradar.

O lastimável asfalto ou concretagem de todas as vias faz com que a cidade fique impermeável e a água da chuva não possa infiltrar-se para reabastecer o lençol freático. Isso faz com que morram as nascentes. Com ela, morrem os rios, e sem eles, morrem os homens.

Represa é um paliativo, mas nada substitui os cursos vivos de água, que não vão ocupar vastas áreas, com evaporação excessiva e outros problemas que o livro poderá elucidar para quem tenha interesse. E todos deveriam se interessar. Pois sobreviver é de interesse de todos.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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