OPINIÃO

O gosto da guerra


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O jornalista vai para a guerra e ele mesmo vira notícia. Foi o que ocorreu com José Hamilton Ribeiro, repórter da revista “Realidade”. No Vietnã, em 1968, ele pisou numa mina terrestre e explodiu sua perna esquerda. No último dia de cobertura, depois de três semanas em território vietnamita, Ribeiro transformou-se numa das vítimas do conflito. O livro “O gosto da guerra”, republicado agora pela Companhia das Letras, em edição revista e ampliada, traz a reportagem do Vietnã e mais outros trabalhos de Ribeiro, um dos mais premiados jornalistas brasileiros (só de Prêmios Esso, o mais prestigioso do jornalismo nacional, o sujeito tem sete). 

No Vietnã, ele acompanhou um batalhão do exército dos Estados Unidos em operações de reconhecimento e combate. Numa dessas operações, trilhando a assim chamada “Estrada Sem Alegria”, é que Ribeiro pisou na tal mina explosiva. Ele mandou diversas matérias para o Brasil, antes e depois da explosão. Desde os perrengues para chegar ao país, passando pelo credenciamento para cobrir o conflito, os contatos com a população nativa, e as operações nas zonas militarizadas. Há muita informação e centenas de dados e números, diluídos entre as reconstituições pormenorizadas – de uma casa de camponês vietnamita, de soldados feridos, de aldeias amedrontadas pela guerra. Depois do ferimento, a agonia em hospitais de campanha, as cirurgias, a recuperação e o retorno, primeiro para os Estados Unidos, onde lhe foi implantada perna mecânica, e em seguida para o Brasil. 

Na volta, a romaria por programas de rádio e televisão para falar a respeito da guerra – assunto muito debatido na época. Vai ao programa de Hebe Camargo, recordista de audiência na TV brasileira. Mais adiante, o jornalista traça um perfil da apresentadora para a revista “Realidade” – essa matéria também está no livro. O olhar e o ouvido de Ribeiro captam boas cenas e personagens, e os colocam no centro das reportagens. Ele não cria super-herois, mas conta histórias de gente comum, lidando com problemas comuns ou nem tão corriqueiros assim. Como o jovem paranaense transplantado, numa das primeiras cirurgias para transplante de rim no Brasil. Essa reportagem -- “A vida por um rim”, de 1966 – lhe rendeu um de seus Prêmios Esso. Ribeiro sabe ouvir e sabe escrever bem, de forma acessível, para público variado. Conversa com Chico Heráclio, fazendeiro que impera em Limoeiro, cidade pernambucana entre a Zona da Mata e o sertão. Acompanha as “audiências” e “atendimentos” do coronel que manda e desmanda na região. O repórter também trocou de profissão: por três semanas trabalhou como ajudante geral numa metalúrgica, dividiu quarto de pensão com operários em bairro fabril paulistano, e contou depois o que viveu.
  
José Hamilton Ribeiro nasceu em Santa Rosa do Viterbo, no interior paulista, em 1935. Trabalhou nas revistas “Realidade” e “Quatro Rodas”, e no jornal “Folha de S. Paulo”, antes de ir para a TV Globo. Fez reportagens para os programas “Fantástico”, “Globo Repórter” e “Globo Rural” – neste último, foi também editor-chefe. Hoje, vive em Uberaba, Minas Gerais.    

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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