OPINIÃO

Pense na morte, e viva


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Ninguém gosta de pensar na morte. O suicídio assistido de Antonio Cícero fez com que muitas pessoas com problemas de saúde, sejam próprios, sejam em familiares, pensassem nessa alternativa. Por enquanto, isso não é possível no Brasil. Temos algumas formas de não sofrer quando em estado terminal, contamos com o testamento vital, a ser feito em tabelionato. Mas um dia chegará em que o suicídio assistido, que já existe há tempos na Holanda e agora na Suíça, também será permitido em nosso país.

Resta encarar a morte como algo inevitável e natural. Talvez o filósofo Epicuro tenha fornecido uma receita para quem teme o encontro com a ceifadeira: enquanto estamos vivos, não há morte; quando a morte se faz presente, já não estamos. Por isso, é mais adequado não temê-la.

Por não sabermos lidar com a morte, enfrentamos inúmeros problemas. Jodi Wellman ficou devastada quando perdeu sua mãe e ficou ainda pior quando teve de arrumar o apartamento da falecida. Percebeu que sua mãe alimentava sonhos, mas não conseguia realizá-los. Deixou-os todos por fazer.

Foi assim que ela escreveu “You Only Die Once”, algo assim como “Só se morre uma vez” e, com isso, pretende ensinar as pessoas a compreenderem que a brevidade da vida colabora para que se corra menor risco de vir a desperdiçá-la.

O método de Jodi é obrigar a pessoa a fazer uma “revisão da vida”. A reflexão sobre o passado por meio de conversas ou por escrito, com a finalidade de identificar os pontos fortes da personalidade e trabalhar a autoconsciência e a aceitação.

É um processo que se pode fazer isoladamente ou em conjunto com amigos ou parceiros. Chama-se também “reavaliação da vida” e é algo que surgiu em 1960 para ajudar as pessoas mais velhas a fazerem as pazes com seus legados. No decorrer da prática, descobriu-se que ele é útil em qualquer idade, inclusive para jovens adultos e crianças em luto.

Ao examinar o passado, cada qual pode também repensar os seus projetos para o futuro. Ainda que o futuro se encurte, pois é reduzido o número de anos que se tem pela frente, quando já se está em idade avançada, há um capítulo a ser vencido. Como é que nos comportaremos nele? O que esperamos? Quais nossas expectativas?

A cada estágio existencial existe um desafio. Na primeira infância, quer-se ganhar autonomia. Na juventude, o objetivo é desenvolver intimidade com os outros. A velhice é o momento de reunir as experiências de vida em uma narrativa coerente, que pode ser chamada integração.

Quem assume a coragem de reavaliar sua vida e se liberar de remorsos e de arrependimentos, consegue reduzir depressão e ansiedade e acrescer satisfação à sua existência. Não se pode perder o sentido de propósito. Algo que os japoneses conseguem fazer, com a sua técnica de ikigai, a fórmula de se estar sempre ocupado.

Ter o que fazer, em qualquer idade, mantém a mente num processo operacional instigante. É preciso resgatar episódios da infância, da juventude e da maturidade. Momentos felizes, encontros inesquecíveis, experiências que podem ser revisitadas quando se percorre aqueles “jardins da memória”, que só a mim pertencem, como dizia Cecilia Meireles.

Comece por escrever sua autobiografia. Desde as primeiras recordações, os sentimentos, os encontros e desencontros. Coisas boas, coisas menos boas. Chegue até onde puder. Se possível, até o dia de hoje. Valerá a pena concluir que sua vida valeu a pena.
 
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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