A cobrança de pedágio dentro do território de um município é um tema que desperta interesse tanto do ponto de vista jurídico quanto administrativo. Prevista no art. 23, inciso III, da Lei Federal nº 12.587/2012, a Lei de Mobilidade Urbana, essa medida autoriza os entes federativos a utilizarem tributos vinculados à infraestrutura urbana para desestimular o uso de determinados modos de transporte, com a receita direcionada exclusivamente ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado. Isso abre espaço para que municípios estudem o pedágio urbano como alternativa de financiamento para sistemas de transporte deficitários, muitas vezes custeados com subsídios municipais para garantir o equilíbrio financeiro.
Embora a possibilidade esteja prevista em lei, a implementação de pedágios urbanos exige análise cautelosa e uma abordagem técnica. Trata-se, sem dúvida, de uma medida impopular, mas que pode ser justificada em situações específicas. Municípios com alta densidade populacional, regiões de intensa circulação de veículos ou que sejam polos turísticos, como aqueles que abrigam áreas ambientais sensíveis, poderiam adotar a medida com valores módicos, buscando equilíbrio entre os objetivos fiscais e a aceitação social. A receita arrecadada, além de cobrir déficits no sistema de transporte coletivo, poderia auxiliar na ampliação e melhoria da infraestrutura, como ciclovias, calçadas e estações de transporte público.
O fundamento jurídico para tal cobrança reside no poder de polícia dos municípios, que possuem competência constitucional para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal. A Constituição Federal, em seus arts. 30, incisos I e II, reforça essa autonomia, desde que a medida respeite princípios como a proporcionalidade e a razoabilidade. No entanto, é crucial evitar violações ao princípio da isonomia, previsto no art. 150, inciso II, da Constituição. A criação de benefícios específicos, como isenções apenas para moradores locais, pode gerar questionamentos jurídicos, uma vez que todos os usuários da via deveriam contribuir de forma igualitária. Além disso, há de se considerar que o pedágio municipal não pode se transformar em obstáculo ao direito de locomoção, garantido no art. 5º, inciso XV, da Constituição. A ausência de alternativas viáveis para o deslocamento seria um elemento crítico, já que impediria o livre trânsito entre localidades. Embora o tema seja mais frequentemente tratado em relação a pedágios em rodovias estaduais ou federais, a mesma lógica se aplica ao âmbito municipal, exigindo que os usuários tenham opções reais e acessíveis para evitar a cobrança.
A cobrança de pedágios dentro de municípios é uma ferramenta que, embora desafiadora, pode contribuir para o fortalecimento da mobilidade urbana sustentável. Cabe aos gestores públicos avaliar se os benefícios financeiros e estruturais da medida superam os custos políticos e as possíveis dificuldades jurídicas e de aceitações sociais associadas à sua implementação.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)