OPINIÃO

'Tumbeiros'


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Tumbas flutuantes, como eram chamados os navios negreiros que faziam a rota África-Brasil. O que é mais gritante diz respeito ao comportamento dos tubarões que seguiam as rotas desses navios.

Segundo Laurentino Gomes, em “Escravidão: Volume 1”, durante mais de três séculos, o Atlântico foi um grande cemitério de escravos em que cada óbito tinha de ser registrado em um livro de contabilidade. Segundo ele: “Se, entre o início e o final do tráfico negreiro, pelo menos 1,8 milhão de cativos morreram durante a travessia, isso significa que, sistematicamente, ao longo de 350 anos, em média, catorze cadáveres foram atirados ao mar todos os dias.”

O autor continua ao escrever que “os cadáveres eram então atirados por sobre as ondas, sem qualquer cerimônia [...]. para serem imediatamente devorados por tubarões”; “mortes tão frequentes e em cifras tão grandes fizeram com que esses grandes peixes mudassem suas rotas migratórias, passando a acompanhar os navios negreiros na travessia do oceano”.

No livro ele relata que Alexander Falconbridge, médico britânico que participou de viagens negreiras entre 1780 e 1787, testemunhou cenas como essa enquanto observava o embarque na costa da atual Nigéria. Segundo Alexander, “os tubarões cercavam os navios em número inacreditável, devorando rapidamente os negros que eram arremessados".

Essa história macabra é uma parte do que foi a escravidão no mundo, e podemos iniciar uma percepção diferente do olhar sobre os negros e analisar em ato continuo, como se estendeu por séculos o que foi a escravidão no Brasil. Outro livro, que fala sobre a branquitude, é o “Imagens da Branquitude: A presença da Ausência”. Nele, escrito por uma pesquisadora branca, “falar sobre o conceito de branquitude não funciona em absoluto como categoria de acusação, questão moral ou normativa”. A autora Lilia Schwarcs esclarece que “a branquitude é entendida como um fenômeno histórico vivido, subjetiva e internamente, de maneira mais ou menos consciente, pelo grupo social que assim é externamente definido”. E continua ao dizer que “reconhecer a existência da branquitude, suas representações e impactos sociais é, portanto, um desafio para essa sociedade que carrega a utopia de se constituir como uma democracia plena, mas que ainda precisa enfrentar o racismo estrutural que organiza suas relações”.

Schwarcz analisa a história através das imagens em registros na arte desses séculos, especialmente de Debret e Rugendas, dois europeus que, contratados por D. João V, faziam para a Europa, ávida de novidades, suas pinturas, gravuras e panoramas desses que habitaram as ruas, em que mulheres brancas estavam reclusas em suas casas e somente negros de valor poderiam circular. Eles aliviam em imagens de arte a dureza da escravidão.

Através das observações dos pés que estavam sempre descalços, identifica a situação dos escravos até em paradoxos como nas sapatarias, em que os escravos artesãos estavam descalços e o sapateiro proprietário com sapatos. A analise percorre todos os séculos, até o século XX, quando sobram fotos e uma impressionante serie de propagandas de sabonetes que prometem tornar os negros brancos.

Nesse momento da consciência negra comemorado pela primeira vez com um feriado nacional, tivemos grandes manifestações, shows e eventos que a cidade pode propiciar e assistir, e poderemos ver novamente a exposição “Tobias: o negro”, que reabrirá no próximo mês.

Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista, branco e antirracista (edupereiradesign@gmail.com)

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