Primeiro, logicamente, foi a mãe que ficou à espera. Nem imaginava, entre idas e vindas em espaços fúnebres, que uma nova vida acontecia em suas entranhas. Passaram-se quatro meses para a constatação. O lugar que estava não era dos melhores, porém, ao sair dele, continuou de idas e vindas em espaços fúnebres. Ao nascer o menino, tiraram-lhe dos braços. Lutou por algum tempo – não muito – para consegui-lo de volta. Reuniu as condições exigidas. Foi para os braços da avó e a mãe voltou, por mais anos, entre idas e vindas em espaços fúnebres.
Aos seis anos, manifestou-se a síndrome que lhe fez inchar e, de certa forma, caminhar com dificuldade. O empresário do bem o enxergou de imediato! Gente do bem, não importa o que possua, tem olhos para os que se encontram nas margens. Foi o que aconteceu. Tratamento particular e medicamentos para o menino. A síndrome, que é uma doença autoimune, até agora está adormecida.
Embora tivesse a avó, com coração de taba, e conhecia a mãe, esperava o pai e perguntava por ele. A avó, para acalmá-lo, disse que falecera. Tempos depois, contaram-lhe que o pai era uma incógnita e chegou a ouvir que era “filho do lixo”. Que doooorrrr!!! Sem um lugar no mundo paterno e materno.
Houve um tempo em que a mãe se empenhou em ultrapassar a compulsão com muito trabalho através de seu dom de cozinheira. Vencer-se, após passar por uma situação de dependência, não é fácil. Necessita de um compromisso diário com o “não”, mesmo que aflorem angústias. E você precisa, ainda, se afastar de um entorno com dificuldades semelhantes às suas. Às vezes, nos terremotos da existência, oscilar do lado sem freios é mais fácil. Você acredita que voltará com facilidade às margens que libertam de se afogar.
Naquela época de abstinência, o menino se considerou com um lugar no mundo materno.
De repente, e a mãe? Retornara às idas e vindas aos espaços fúnebres. Quatro filhos se ajeitaram. Um se encontra a passos da liberdade. E ele? Ah, meu Deus, surrado pela vida! Sem identificar seu espaço no mundo. Com passos desajustados de rebeldia, já é difícil ter 12, 13 anos, imagine com nove meses de ventre materno envolto em crack. Para ele o pai – desconheço se a mãe tem consciência de quem é – não o quis, não gostou dele. E ela também. Difícil, nos limites de sua compreensão, entender que, infelizmente, a mãe não possui estrutura para que seu amor se liberte dos cipós venenosos que estão em seu coração. É estrangulada por dentro. Para se impor, de modo que se sinta com poder, já que se experimenta furtado de amor, usa sua força e ameaça decorrentes de seus transtornos. Na escola, quando vai, garante a suspensão nos próximos dias. Vozes atordoadas gargalham em sua mente. Encontrou espaço em um grupo de tráfico, embora existam lá sorrisos poucos. Aplaudem sua utilidade. Alimenta-se dos lugares escondidos e da fuga ao sentir perigo.
Apesar de ter apenas 14 anos, não espera por mais nada, a não ser pelo cotidiano em que se infiltrou, onde sementes de sonho são enterradas e dão lugar para a ilusão da ostentação e a vontade de esquecer aquela mulher: a mãe.
E o Funk toca alto: “Das 7 às 7 eu tô na loja/ Meia na canela, 17 rosa/
Fila de carro, horário de pico/ Menor desenrola e conta nota...”
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)