A ciência alertou a humanidade durante muitas décadas. Desde os anos 1970 já se previa que a nociva conduta humana sobre o planeta iria exauri-lo e ele, para continuar a existir, se livraria da espécie que se autointitula racional.
Eram remotas as ameaças e os cientistas hoje se culpam por terem sido tão conservadores, tímidos e discretos. As mudanças climáticas chegaram para valer e varrem o mundo com fenômenos extremos.
Aqui também, causam catástrofes como as de São Sebastião em fevereiro de 2023, precipitações pluviométricas na capital em novembro do ano passado, o desastre gaúcho de maio deste ano. E tudo continuará a acontecer, com frequência e intensidade crescentes.
Enquanto governos titubeiam, com raríssimas exceções, os artistas, mais sensíveis, registram o apocalipse. É o que acontece com as fotografias de Christian Cravo, a retratar a degradação causada pelo ser humano. Ele documenta o cotidiano de um lixão em Gana, que recebe rejeitos despejados pelos países ricos da Europa.
Não é necessário ir a Gana para encontrar misérias ecológicas. As cidades ainda têm lixões. A população ainda descarta coisas que poderiam ser recicladas e têm valor econômico, de maneira errática e nefasta. O custo da varrição e da coleta de lixo em qualquer município brasileiro é incompatível com as necessidades básicas da população. Seria um dinheiro muito melhor aproveitado em saúde, educação, moradia, transporte e outras carências, mas desperdiçados para recolher a imundície produzida pela ignorância.
Lá em Gana existe um bairro chamado Agbogbloshie, em Acra, a capital. Ali são despejados restos eletrônicos do mundo “civilizado”, que não hesita em se livrar de seus venenos, arremessando-os em países pobres. Isso não é estranho para nós. Quem não se lembra dos navios com restos hospitalares que vinham para o Brasil, assim como os pneus usados, em viagens rotineiras? Continuamos, por exemplo, a comprar herbicidas já proibidos nos países de origem, mas consumidos em nações de baixo letramento ambiental.
O fotógrafo Christian Cravo expõe essas imagens na mostra que chamou “Paisagens Antrópicas”. São mudanças que o fotógrafo chama de “processos movediços”. O que era apenas uma praia em Gana, vira solo tóxico. Em algumas áreas a concentração de chumbo na terra chega a ser mil vezes superior aos níveis considerados toleráveis. Não é por acaso que crescem os índices de câncer, doenças respiratórias e problemas reprodutivos.
A pobreza vai sobrevivendo como pode. Parte da população queima os produtos eletrônicos para extrair o cobre e vender. Assim como nossos irmãos brasileiros que vivem dos famigerados “lixões”. Inacreditável que o “celeiro do mundo” tenha milhões que se alimentam com o que encontram no descarte do desperdício generalizado.
A arte procura despertar a consciência de uma coletividade que ainda não acordou para a gravidade das emergências climáticas, todas elas provocadas pela insensatez irracional do bicho-homem. A fotografia de Christian Cravo é chamada de “estética da miséria”. Ela pode ser vista até 21 de dezembro na Casa Serva, que fica na Alameda Lorena, 1257, na capital paulista. A entrada é gratuita.
Seria bom que os visitantes se condoessem da sorte dos que são expostos à toxicidade do lixo eletrônico e passassem a adotar condutas compatíveis com a urgência imposta a todos: salvar a humanidade, pois o mundo caminha rápido para a eliminação da vida em sua superfície.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)