OPINIÃO

A eleição da lacração?


| Tempo de leitura: 3 min

Estou de volta.

E, obviamente, não há como retornar sem escrever sobre as eleições municipais deste ano. O pleito de 2024 ficará para a história por conta de uma nova característica: os tempos de campanhas eleitorais municipais com debate salutar de propostas, conciliação de opostos e diálogo parece que acabaram.

Fato é que o eleitorado está cansado. Isso se reflete na resistência em tentar ser convencido por agentes políticos que parecem falar sempre as mesmas coisas (mas que não são).

Assim, quem faz algo diferente se destaca, porque é assim a vida nessa modernidade. E hoje, o diferente está nas redes. No que dá mais likes e compartilhamentos.

Engajamento: essa é a palavra do momento. E assim, no debate político a razão perde espaço para um fenômeno perigoso: o da lacração (outra palavra em voga). Não existe debate. Não existe conciliação. Não existe a mudança de opinião. Cada um, com sua certeza, quer impor seu ponto de vista à maioria. E isso é um mal.

Poucos se salvam. Infelizmente. O barulho da mentira ganha do discurso onde impera a verdade. A dancinha ganha da seriedade (importante frisar que dá para ter seriedade e bom humor, não é disso que se trata. Ninguém quer votar num cadáver). A esculhambação se sobrepõe ao respeito. As pessoas não vencem  mais com argumentos, mas com lacrações.

Tais práticas foram aprimoradas a uma terrível perfeição com a entrada, no ringue eleitoral, dos chamados coaches e influenciadores digitais lacradores, que não possuem nenhum compromisso com a coisa pública. Que não têm conhecimento do que é gerir, governar uma cidade.

Os políticos tradicionais (que também possuem qualidade e defeitos), e que de tempos em tempos são substituídos através do processo eleitoral por novos atores, estão  sendo defenestrados e, em seus lugares, surgem extremistas que apenas gritam, proferem mentiras e buscam a divisão das pessoas. O real papel da fiscalização do vereador, por exemplo, está sendo suplantado pelo da lacração, seja dos que defendem apenas pautas identitárias e que ultrapassam o progressismo escandaloso da permissividade irrestrita ou daqueles ortodoxos reacionários que em alguns casos se confundem com neofascistas.

E aqui em nossa Jundiaí, esses padrões e tendências se mostraram nas urnas. As cadeiras do Plenário Vereador Antônio Carlos Pereira Neto - Doca serão ocupadas também por representantes desses extremos, salvo exceções. Ainda bem.

Mas levando em conta essa nova realidade, é importante pensar se, no fim, toda mudança é realmente boa por si só. Ou trata-se apenas de... mudança? Será que renovação a todo custo sempre funciona? Outra questão que surge é se essa nova categoria de renovação baseada na pura e simples lacração vai ser positiva.   Não sei.

E atenção: ainda teremos mais capítulos nessa história. Afinal, a eleição não acabou. Já começou o segundo turno para o executivo.

E o que será que vai acontecer? Bom, eu não tenho a mínima ideia. Sou cientista social, não pitoniso.

Mas para se ter noção (e não respostas prontas) do que nos aguarda, é fundamental olhar para trás: reflexões e ponderações são acertadas quando temos lembrança do nosso passado não tão distante, e que cada um sã consciência consiga chegar ao seu veredito: o que mostraram nossas experiências passadas de mudança? Elas trouxeram mais aspectos positivos ou negativos? A renovação funcionou ou frustrou?

Preparemo-nos para esse segundo turno. Que possamos refletir e ponderar bem, pois disso dependerá o futuro de nossa Terra Querida.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

Comentários

Comentários