OPINIÃO

O encantamento da leitura de livros acabou?


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A leitura de livros sempre foi um meio de absorver conhecimento de forma profunda e reflexiva. Ler envolve concentração prolongada, paciência e a habilidade de construir e compreender narrativas complexas. Ao mergulhar nas páginas de um livro, pode-se explorar mundos internos e externos. Permanecer em imersão total, ter foco, atenção e concentração é um estado desafiador para o ser humano nos dias de hoje, entregue aos encantos das mídias sociais. A natureza das plataformas valoriza conteúdos fáceis de consumir, superficiais, fragmentados, privilegiando a baixa reflexão, sem análise crítica.

A leitura instiga o leitor a analisar diferentes pontos de vista, a desenvolver a empatia e a processar ideias de forma estruturada. Ler exige atenção focada e ininterrupta, o que contribui para o desenvolvimento da capacidade de concentração, promove a retenção de informações de forma sólida, ajudando na construção de repertórios intelectuais amplos.

Já os conteúdos das mídias sociais são curtos, fracionados e de fácil consumo. Tem como estratégia capturar a atenção dos usuários por pequenos intervalos de tempo. Oferece gratificação imediata, mas raramente auxilia na reflexão profunda ou duradoura. A rolagem constante e a mudança rápida de conteúdos favorecem a um estado de dispersão mental, na qual o usuário é constantemente bombardeado por estímulos, o que dificulta a concentração prolongada e o poder de análise crítica. O que pode limitar discussões e debates mais complexos que são reduzidos a poucos caracteres ou memes.

Likes, comentários e compartilhamentos ativam mecanismos de recompensa no cérebro (dopamina), criando uma busca contínua por feedback instantâneo, o que reforça o consumo compulsivo e a dificuldade de absorver conteúdos mais densos.

Martha Gabriel, uma das pensadoras digitais mais influentes do Brasil, executiva e consultora nas áreas de inovação em negócios e transformação digital, destaca como a tecnologia e as mídias sociais moldam comportamentos e dispersam a atenção. Para ela, “as tecnologias digitais e mídias sociais exercem um efeito dispersivo sobre o foco e a capacidade de imersão das pessoas, especialmente nas gerações mais jovens. O uso exacerbado das redes sociais também tem implicações na diminuição da capacidade crítica e no aumento do consumo de conteúdo raso, o que afeta a habilidade de absorver informações de maneira completa e analítica.”

A dispersão humana sob o olhar filosófico está diretamente ligada ao fascínio ou à sedução que o mundo externo exerce sobre as pessoas e pode estar relacionado à busca incessante por prazeres materiais, reconhecimento social, poder, ou outras formas de gratificação imediata. Ele nos desvia do autoconhecimento e do crescimento interior ao nos atrair para aquilo que é superficial e efêmero. Ao se encantar com o mundo externo e se identificar com a ideia ilusória do "eu", o indivíduo se perde em múltiplas direções, sendo levado para uma vida de dispersão e superficialidade. Somente ao tomar consciência dessas forças e buscar o autoconhecimento, é possível escapar dessa dispersão e encontrar um caminho mais centrado e autêntico. E você, leitor, para onde está direcionando o seu encantamento?

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)

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