OPINIÃO

A construção do idiota


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Rubens Casara é juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Escritor, autor de títulos na área jurídica e das ciências sociais, lança agora “A construção do idiota – o processo de idiossubjetivação”, pela editora da Vinci. Logo no início, Casara alerta que utiliza o termo ‘idiota’ na sua acepção grega original, a qual designa o sujeito incapaz de atuação pública, fechado em si, sem reconhecer o coletivo e que despreza o comum (o que é de todos ou da comunidade). O idiota é, então, o ser político que detesta a política e não compreende o uso político que dele é feito. Para criar milhões de seres idiossubjetivados, o neoliberalismo utiliza-se de estratégias que vão do negacionismo ao anticientificismo, do culto da ignorância à demonização do pensamento crítico e questionador, do empobrecimento da linguagem à simplificação das análises e explicações de situações tão complexas quanto urgentes (a crise climática, os fluxos migratórios, o empobrecimento crescente, a acumulação irrefreada...).

Mestre em ciências penais, doutor em direito e com pós-doutorado concluído em ciências sociais, Casara é também estudioso da psicanálise, e dela se utiliza em seu livro. Fala do neurótico criado pela modernidade e da sua transformação em sujeito perverso ou psicótico, que desconhece limites ou tem prazer em ultrapassá-los. Trata também da criação do ser “estúpido”, tomado no sentido de a pessoa sem ação, incapacitada, inerte. De acordo com o autor, a racionalidade neoliberal, ou seja, esse “modo de compreender e de agir, que trata tudo como negociável, deseja indivíduos apartados da vida pública e inertes para que não prejudiquem os negócios e a acumulação tendencialmente ilimitada do capital”. Cria-se assim o “Homo stupidus”, um dos tipos ideais a partir desse projeto, porque não só é mais facilmente explorado “como também é o modelo de consumidor acrítico e de cidadão domesticado”. 

Com antena bem ajustada, Casara capta não só o que acontece no Brasil como também no mundo. Analisa esse modo de produzir subjetividade – em alguma medida, um modelo de criar submissões – não de todo consciente. A “idiossubjetivação” seria essa capacidade que a sociedade contemporânea neoliberal tem de formatar indivíduos sem preocupação com a vida em comum, alheios e refratários a ideais de fraternidade ou de igualdade, e facilmente levados a aceitar que a sua “liberdade” é aquela de apenas consumir.

Mas se a análise rigorosa e reveladora desenha um quadro sombrio e apocalíptico, em que as “regras do mercado e a lógica da concorrência passaram a condicionar todas as esferas da vida”, o autor não se esquiva de apontar soluções. A manutenção do pensamento crítico, o amor ao conhecimento e ao semelhante – que não se menospreze a ideia de solidariedade nem de cooperação ou fraternidade – aparecem como poderosos instrumentos de enfrentamento e de superação da ordem neoliberal.
Nessa ordenação que considera mais fácil o fim da vida no planeta do que a sua transformação, Rubens Casara ajuda a pensar a enrascada em que nos metemos. Mas da qual ainda podemos emergir.    

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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