Inicio nosso encontro de hoje trazendo uma frase do professor e historiador norte-americano John Henrik Clarke, que nos leva a refletir e até entender as razões pelas quais, em especial, a comunidade negra muitas vezes não reage. Ele afirma: “Para controlar um povo, primeiro é preciso controlar o que pensam sobre si mesmos e como consideram a sua história e a sua cultura. E quando o colonizador te faz sentir vergonha da sua cultura e da sua história, ele não precisará de muros de prisão e nem de correntes para te prender."
Reparem que essa foi a técnica utilizada e implementada pelo material didático-pedagógico eurocêntrico, que pregava que o povo negro era sem cultura, sem preparo, entre tantas outras impropriedades, para minimizar esses seres humanos.
Já está comprovado que os primeiros seres humanos tiveram origem no continente africano e que eles dominavam áreas como metalurgia, mineralogia, matemática, medicina, astrologia, pecuária, urbanismo, navegação, entre muitas outras. Todavia, o que se construiu e se imputou foi a negação de todo esse conhecimento, chegando ao ponto de alegar que essas pessoas nem alma tinham, sendo classificadas como “coisas”.
Os reflexos dessas maldades são verificados até os dias atuais, desde a negação de oportunidades em igualdade de condições, passando pela violência absurda em abordagens policiais, fiscalização, avaliações e até mesmo no tratamento de saúde — desde o desenvolvimento de medicamentos específicos até a atenção às crises psicológicas consequentes.
Em conformidade com a frase do professor norte-americano, essa postura se confirma pela dominação das mentes e a desconsideração da cultura e da história do povo negro, fazendo com que esse valoroso contingente não prestigie seus iguais e absorva toda essa maldade. Isso se verifica na gigantesca dificuldade de mobilização, notadamente nos dias atuais.
Por que nos dias atuais? Basta pesquisar a importância da Frente Negra Brasileira (FNB), criada no ano de 1931, que tinha por foco o combate às desigualdades e a participação efetiva dos negros em todo o tecido social, combatendo o racismo e a segregação racial. Realizavam reuniões em praças públicas e locais apropriados, difundindo direitos, conhecimento da história e suas raízes, reforço escolar e assistencialismo. Enfim, agiam com mais união e qualidade.
A FNB ganhou força e filiais nos estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, agregando mais de 100 mil seguidores e chegando a organizar um partido político. Com a tomada de poder por Getúlio Vargas, os partidos políticos e associações políticas foram fechados no ano de 1937, dentre eles a FNB.
É importante lembrar que a FNB oferecia cursos e reforço escolar, conscientização política e tudo o mais relacionado ao segmento. Com sua dissolução, os estudantes passaram a frequentar os bancos escolares e a absorver os ensinamentos eurocêntricos, com a imposição da estratégia mencionada pelo professor americano, o que fez com que tivessem vergonha de sua cultura, de sua ancestralidade e, enfim, de si próprios, deixando de lutar por seus direitos.
Nada é para sempre. A verdade já despontou e ganhou força, ainda que não o suficiente para sobrepor, mas para afastar grande parte das maldades. Quem ganha com isso? A resposta é muito simples: todas as pessoas ganham, pois há espaços suficientes para todos.
O conhecimento da história, da cultura, dos costumes, das tradições, da religiosidade e dos feitos do povo negro são de altíssima relevância, valor e exemplo. Infelizmente, tudo isso foi ignorado, remetendo ao posicionamento da professora Petronilha Gonçalves em seu parecer, que embasou a sanção da Lei n. 10.639/03. Ela afirmou que as relações entre brancos e negros no Brasil são tensas justamente por conta do ensinamento distorcido.
Ao longo do tempo, tive o desprazer de constatar que muitas pessoas, ao se aprofundarem nos ensinamentos, ao perceberem que praticam atos racistas, deliberaram por silenciar, adotando atitudes do tipo “deixa quieto”, “não vamos mexer com isso” e outros subterfúgios para justificar a não implementação da mencionada lei. Isso se soma ao bloqueio religioso sob a alegação de que se trataria exclusivamente de uma religião — religião essa, frise-se, demonizada e discriminada por aqui. Bastaria apenas buscar a verdade!
Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)
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