Valho-me hoje de um conto enviado por um grande amigo jundiaiense, carinhosamente chamado de Esquerda. Em seu tempo de estudante, sempre utilizava o velho trem da Companhia Paulista em suas viagens. O conto me sensibilizou muito, pois espelha uma parte de minha vida de estudante. Quem de nós, na juventude, dentro de um vagão de trem, não teve seus belos sonhos e seus fantasmas de insegurança diante da vida? Gostaria de tê-lo escrito, mas o transcrevo em homenagem ao autor desconhecido, com minhas melhores reservas de estima e consideração:
Diz o conto que todos os anos os pais de Gabriel o levavam para a casa da avó, para passar as férias de verão. Eles iam de trem e voltavam para casa no mesmo trem.
Um dia, o menino se sentiu grande e disse aos pais:
— Já estou crescido. Posso ir sozinho para a casa da vovó.
Os pais se surpreenderam. Era difícil consentir que um garoto viajasse sozinho em um trem cheio de passageiros. Após um breve entendimento entre o casal, resolveram aceitar o desafio proposto pelo filho amado.
Na estação ferroviária, enquanto aguardavam a saída do trem, o menino, com a mochila nas costas, se despediu. O pai, dando-lhe conselhos pela janela, ouviu o filho responder:
— Eu já sei, já me disseram isso mais de mil vezes.
Quando o trem apitou, prestes a iniciar a viagem, o pai murmurou ao ouvido dele:
— Filho, se você se sentir mal ou inseguro, isto é para você.
E colocou um bilhete no bolso de Gabriel.
Agora sozinho, sentado no trem, como desejava, Gabriel se sentia livre e alegre, pela primeira vez sem seus pais. Admirava a paisagem que deslumbrava seus olhos. No entanto, ao seu redor, no corredor, alguns desconhecidos se empurravam à procura de assentos, faziam barulho, entravam e saíam do vagão, e alguns passageiros de pé aguardavam os sanitários ocupados. O supervisor, apreensivo, comentava com alguns passageiros o fato de o garoto estar viajando sozinho, sem acompanhante. Uma senhora idosa olhou para o menino com olhos tristes.
A euforia de antes começou a dar lugar à apreensão. A cada minuto, Gabriel se sentia mais desconfortável, com medo da viagem dos sonhos. Abaixou a cabeça, tristonho, e a alegria inocente de antes foi substituída pelo receio de estar sozinho e encurralado. Lágrimas furtivas escaparam de seus olhos.
Foi então que se lembrou do bilhete que o pai havia colocado em seu bolso. Com as mãos trêmulas e hesitantes, procurou o papel no bolso.
Ao encontrar o pedaço de papel, desdobrou-o e leu:
— Filho, eu estou no último vagão.
A vida em si.
Criamos nossos filhos para que criem asas e possam voar. Nós os preparamos para o mundo. Devemos deixá-los partir, confiando na vontade e nos desejos próprios da juventude. Só assim eles serão melhores do que pudemos ser. Mas, filhos, se encontrarem, como poetizou Drummond de Andrade, uma pedra no caminho e não conseguirem removê-la, podem acreditar que, enquanto estivermos vivos, sempre haverá um bilhete em seus bolsos.
Eu tenho o meu guardado no coração.
Guaraci Alvarenga é advogado (guaraci.alvarenga@yahoo.com.br)