Estamos todos inconformados com as denúncias contra o ex-ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, por conta de assédios e importunações sexuais que teria cometido contra 14 mulheres, segundo o movimento Me Too. Mesmo que ainda caibam dúvidas e uma futura defesa, dificilmente 14 vítimas estariam mentindo simultaneamente contra a mesma pessoa.
Silvio – até então – tinha uma carreira ímpar, acadêmico reconhecido e brilhante. Ele é o principal responsável por ampliar o conhecimento do termo racismo estrutural no Brasil, deu aulas em universidades internacionais e sempre estava cercado por jornalistas, ávidos por sua dinâmica intelectualidade.
Destrincho o caso em duas vertentes principais: 1) Lula (pressionado ou não pela primeira-dama Janja) foi certeiro em sua demissão sumária do ministro, logo após a denúncia vir a público. Se havia ou não conhecimento da denúncia antes de a imprensa se interessar pelo caso, isto deveria ser alvo de investigações. 2) Por que um homem brilhante e preto se coloca na mesma posição que os demais parceiros brancos, autoridades eleitas ou não, historicamente e culturalmente detentores do poder e, muitas vezes, do abuso do poder.
O 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que os casos de violência sexual no país aumentaram 48,7% em 2023 em comparação ao ano anterior. As ocorrências de divulgação de cenas de estupro ou de estupro de vulnerável, de sexo ou de pornografia cresceram 47,8%. O relatório demonstra ainda que os registros de assédios sexuais alcançaram 28,5%.
Ainda, a pesquisa Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicou que 30 milhões de mulheres foram assediadas sexualmente no ano de 2022. Em relação aos processos julgados pela Justiça do Trabalho, o volume de ações envolvendo assédio sexual cresceu 44,8% entre 2020 e 2023.
Ou seja, somos um país em que a posição de poder ainda é majoritariamente exercida por homens, a maioria branca. E são esses os principais autores desta violência, quer seja no ambiente público ou privado. O Brasil registrou 15.127 denúncias de assédio sexual e moral em empresas privadas e públicas; mulheres foram as principais vítimas.
É absolutamente entristecedor que um homem preto também se coloque na posição de poder e pense que pode agir impunemente. Mas, convenhamos, nossa questão não está em ser branco ou preto, mas na palavra "poder". Por que não conseguimos avançar em políticas públicas para promover mudanças culturais efetivas? Por que nossos filhos homens não aprendem nas escolas sobre questões de igualdade e cultura de dignidade?
O compliance e a implantação do ESG (meio ambiente, social e governança) nas empresas têm apoiado a mudança de comportamento. Se elas são exigências ou não do mercado internacional, principalmente o europeu, não vem ao caso. As regras existem, e os CEOs e diretores sabem o risco que correm. Mas, vocês já viram o cumprimento das metas ESG por entes públicos? Quais deles estão realmente interessados em gestão de risco e compliance?
Meu suspiro de alento vem pelo fato de as denúncias continuarem aumentando e nossas meninas utilizarem mecanismos legais e não hesitarem na hora de denunciar chefes ou colegas abusadores morais e sexuais. A nova geração de mulheres profissionais exige tratamento igualitário, mas uma aplicação eficiente na mudança de paradigma só virá quando educarmos melhor nossos meninos e meninas e instituirmos a não-violência como lema de nossos governos.
Ariadne Gattolini é jornalista, escritora, pós-graduada em ESG e Sustentabilidade Corporativa pela FGV e editora-chefe do Grupo JJ.
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