OPINIÃO

Maria Bonita


| Tempo de leitura: 3 min

Maria Gomes de Oliveira entrou para a história como Maria Bonita, a mulher do capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, conhecido como o “rei do cangaço”. O livro “Maria Bonita – sexo, violência e mulheres no cangaço”, da jornalista Adriana Negreiros, trata dela e de outras que integraram o bando de Virgulino.

Negreiros fala das lendas criadas (“a amazona do Nordeste”, a “Joana d’Arc da caatinga”, “a mulher que falava de igual para igual com Lampião”...). Mas ao pesquisar vasta documentação e as diversas e tantas vezes conflitantes versões de episódios, a jornalista percebeu que havia muito a ser dito longe da romantização e do folclórico. Que Maria transgrediu, sim, ao abandonar seu casamento para se juntar ao bando. Mas a personagem que viraria marca de roupa, salão de beleza, academia de ginástica, banda de forró, coletivo feminista nunca existiu enquanto ela viveu. Como escreveu Negreiros, “a cangaceira que teve a cabeça decepada em 28 de julho de 1938, era simplesmente Maria de Déa: uma jovem de 28 anos que morreu sem jamais saber que, um dia, seria conhecida como Maria Bonita”.

O livro mostra como ela foi uma exceção, no sentido de que escolheu juntar-se ao grupo. Foi a primeira mulher a entrar para um bando de cangaceiros, convidada por Lampião, com quem já vivia um romance. A partir de sua chegada, o capitão autorizou outros cabras (como eram chamados os integrantes do grupo) a trazerem mulheres. E essas eram na maioria das vezes sequestradas de suas famílias quando o bando invadia alguma cidade ou propriedade no sertão. Há relatos de meninas de 11, 12 anos escolhidas pelos cangaceiros, tiradas de suas casas, abusadas sexualmente e que passariam a viver a existência errante, perigosa e violenta do cangaço. Como ocorreu com Dadá, mulher de Corisco, homem de confiança de Lampião. Estuprada ainda criança, foi deixada pelo bandoleiro na casa de uma parenta para se refazer da violência e depois passou a rodar o sertão com o grupo. Dadá e Maria de Déa, por sinal, não se bicavam. Há mais de um depoimento da mulher de Corisco a esse respeito (Dadá morreu aos 79 anos, em 1994). O livro tenta apagar o glamour de o cangaço ser um “modo de enfrentamento contra o ‘sistema’”, e mostra-o como um negócio lucrativo para quem o financiava, quem o operava e a quem ele beneficiava. Na esteira dessas histórias, as narrativas de mulheres submetidas a um código de conduta masculino, vivendo em meio a toda sorte de privações e abusos. Os homens dispunham das mulheres como bem entendessem, tinham o poder e o “direito” de matá-las se o desejassem. Quando elas engravidavam, seguiam com o bando até a hora do parto. Logo depois do nascimento, os bebês eram entregues para serem criados por fazendeiros e autoridades conhecidas.
   
A jornalista Adriana Negreiros nasceu em São Paulo, e cresceu em Fortaleza. Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, e em Filosofia pela Universidade de São Paulo, trabalhou como repórter no “Diário do Nordeste” e nas revistas “Veja”, “Cláudia” e “Playboy”. “Maria Bonita...” é seu livro de estreia, lançado em 2018.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

Comentários

Comentários