OPINIÃO

Povo da Palavra Encarnada


| Tempo de leitura: 3 min

O mês de setembro, tradicionalmente, no Brasil, é dedicado à Palavra de Deus. Para nós, cristãos, a Palavra se fez carne e, justamente por isso, toda leitura das Sagradas Escrituras deve ter como fundamento a vida, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É nesse sentido que, neste ano de 2024, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos convida a lermos e meditarmos o livro de Ezequiel, a partir do tema: “Porei em vós o meu Espírito, e vivereis!” (Ez 37,14). Trata-se de vivermos a experiência do profeta que, mesmo em meio ao exílio, não perde a esperança e anuncia a chegada de um novo tempo. Esse tempo se realiza no novo povo de Deus, que somos nós!

O profeta Ezequiel exerceu seu ministério durante o exílio na Babilônia, provavelmente entre os anos 593 e 571 a.C. Foi um período difícil para o povo de Israel, pois, longe de sua terra e afastado de suas práticas religiosas do templo, em Jerusalém, teve que se adaptar a uma realidade diferente e distante daquilo que entendiam como o verdadeiro culto a Deus. O próprio profeta era um sacerdote do Templo, e sua missão teve que ser reinventada. Assim, o profeta se configura como aquele que enxerga para além das agruras do sofrimento presente, aquele que vê de cima e não se reduz ao tamanho das dificuldades impostas. Se, para muitos, o cumprimento da Lei estava associado à prática estrita das exigências ritualísticas, o profeta sabe enxergar a ação de Deus mesmo nos momentos de exílio, mesmo nas intempéries que a vida traz.

A passagem escolhida como tema para o mês da Bíblia deste ano traz a figura de Ezequiel conduzido ao vale dos ossos secos (Ez 37,1-14). O próprio Senhor levara o profeta para um lugar tenebroso, onde os ossos estavam espalhados. Ali, Deus, em primeiro lugar, fez com que Ezequiel se movesse em torno dos ossos, por todos os lados. Essa é a primeira exigência do Senhor: perceber a realidade! Em seguida, Deus promete a Ezequiel que levantaria aquele exército. Destaco aqui o modo como o Senhor recompõe o seu povo: primeiro Ele junta o que estava dividido. “Os ossos se aproximaram” (Ez 37,7) e só depois Ele os revestiu de tendões, carne e pele.

De fato, nada resseca mais a alma de um povo do que a divisão. Assim foi com os israelitas, divididos pelo exílio. Assim também acontece conosco, quando uma leitura distorcida da Bíblia se transforma em instrumento de divisão. Quando a leitura cega da Bíblia se reveste de estratégias de domínio, deixamos de reconhecer o irmão como “carne de nossa carne” e o que sobra são os ossos da indiferença, justificados pelo pretexto do poder a todo custo.

Todavia, Ezequiel é chamado a profetizar. Ele convida o povo que estava dividido e cabisbaixo a olhar para cima e a sair dos túmulos. Conforme realiza sua missão, ele vê os ossos se juntando, revestindo-se de carne e pele, e ficando em pé novamente. Isso só é possível porque o autor de toda profecia é o próprio Espírito de Deus. A ação do Espírito em nossas comunidades é essa força regeneradora de Deus, que levanta os ânimos e faz acreditar novamente.

O mês da Bíblia em nossas comunidades tem essa força de realmar o povo com a presença real do Senhor nas Escrituras.

Por fim, recordo que, para nós, cristãos, a Palavra se fez carne. Por isso, convido a todos, neste mês da Bíblia, a meditarem as Escrituras sob um viés sempre cristológico. Cristo deve estar no centro.
Convido todo o povo a fazer deste mês da Bíblia um momento oportuno para mergulhar no coração da Palavra de Deus. Mais do que isso, convido a todos a permitirem a ação do Espírito e deixarem-se revestir pela humanidade plena de Jesus. Para que sejamos mais do que ossos ressequidos, mas um povo de carne. E que neste tempo de vale de ódio, o Espírito do amor nos levante e nos fortaleça.
Sejamos o Povo da Palavra Encarnada!

Dom Arnaldo Carvalheiro Neto é Bispo diocesano de Jundiaí

Comentários

Comentários