Passei as últimas décadas testemunhando meus colegas do INPE alertando a pátria sobre os efeitos nefastos das mudanças do clima. Um estudo recente do INPE mostra como o clima já mudou no Brasil nas últimas décadas.
Nas últimas três décadas, a região sul do Brasil e parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul apresentaram um aumento de até 30% na precipitação média anual, de 1.500 mm para 1.660 mm, enquanto áreas do interior do Nordeste e norte do Sudeste experimentam redução dos volumes, com o valor médio da precipitação acumulada de 1.210 mm baixando para 1.030 mm no período de 2011-2020. Áreas do interior do Nordeste até o Sudeste e no Brasil central registraram reduções com variações negativas entre -10% e -40%.
Essas alterações repercutem na ocorrência de extremos climáticos que são estabelecidos por dois indicadores: (1) dias consecutivos secos (CDD) e (2) precipitação máxima em 5 dias (RX5day). Neste estudo elaborado pelo INPE, a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sobre as mudanças observadas no clima no país nos últimos 60 anos, subsidiam a elaboração do Plano Clima do governo federal e são fundamentais para a formulação de estratégias eficazes de adaptação às mudanças climáticas e podem auxiliar nas estratégias de desenvolvimento local, estadual e regional.
Observar dados de tendência de longo prazo é crucial porque permite identificar padrões e mudanças graduais no clima, que muitas vezes são sutis em curtos períodos de tempo. Isso é especialmente importante em um contexto de mudança climática, em que as alterações nas precipitações podem ter impactos profundos em setores estratégicos da sociedade, como a agricultura e os recursos hídricos.
Cada região possui uma especificidade climática, influenciada por diversos fatores além dos sistemas meteorológicos. Altitude, latitude, vegetação, relevo e proximidade com corpos d'água desempenham papéis cruciais na configuração do clima local.
A análise efetuada para todo o território brasileiro considerou o período de 1961 a 2020, considerando os primeiros 30 anos como período de referência. As décadas subsequentes foram segmentadas em três períodos: 1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020.
O aumento de precipitação não é um evento isolado, mas parte de uma tendência mais ampla observada nas últimas décadas, especialmente na região Sul do país. Aumentos na frequência e intensidade desses eventos extremos, como o que estamos vendo agora, exigem uma reavaliação das estratégias de adaptação.
A diminuição das chuvas no Norte e Nordeste pode resultar em períodos cada vez mais prolongados de seca, o que afeta diretamente a disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e atividades industriais, podendo levar à escassez de alimentos e à perda de renda para os agricultores locais.
A escassez de água pode desencadear conflitos pelo acesso dos recursos hídricos, aumento das desigualdades sociais e econômicas e gerar problemas de saúde pública, como aumento de incidência de doenças relacionadas ao acesso limitado à água potável.
Mario Eugenio Saturno é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano (mariosaturno@uol.com.br)