OPINIÃO

Aprender a ser pai


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Ninguém “aprende” a ser pai. O aprendizado se faz no campo da experimentação, no erro e acerto, condição que impregna a nossa existência. Durante todo este efêmero percurso pela maltratada Terra, fazemos nossas escolhas e nem sempre nos satisfazemos com o resultado delas. E vamos prosseguindo, enquanto vivermos.

Houve um tempo em que se falava em “Escola de Pais”, mas não era um curso de paternidade, senão oportunidade para debates sobre como educar os filhos.

Mereci a graça de ter quatro filhos. Dois casais, que já me premiaram com oito netos. Com eles continuo a aprender a ser pai. E a ser avô.

Tenho tido contínuas alegrias com essa prole abençoada. Ela me propicia muito mais do que mereço.
Algo que me emocionou foi ouvir um dia meu primogênito a conversar com sua filha, na fase dos “por quês”. A cada reiteração, ele dava o seu argumento. Ao final, como ela não se convencesse, a resposta foi: - “Porque meu pai fez assim e deu certo!”.

Senti-me aprovado no curso de pai. Não com todos os méritos, mas deu para passar. Hoje compreendo melhor o desafio de meu saudoso pai e aquele enfrentado pelo pai dele, meu avô.

O “nono” veio adolescente ainda de Isola Della Scala, Província de Verona, para a utopia da “América”. Trabalhou muito, criou família numerosa. Lamento não ter com ele aprendido italiano. Faz-me falta. Mas eram tempos em que crianças não tinham acesso aos mais velhos. Bastava um olhar e sabíamos nosso lugar.

Meu pai foi um homem terno, humilde, batalhador. Conseguiu ver seus filhos todos com curso universitário, o que lhe não foi dado, pois trabalhou também duramente, desde criança. Por coincidência – ou a coincidência é apenas “a lógica de Deus”, como falava Georges Bernanos – todos eles cursaram a PUC-Campinas. Direito, Ciências Sociais, Odontologia e Enfermagem, nessa ordem.

Muita gente pode não saber, mas minha irmã caçula, Jane Rute, antes de cursar Direito, fez Enfermagem de alto padrão na nossa Pontifícia Universidade Católica da Cidade das Andorinhas.
Nosso empenho em estudar e nos formar, sob contínua e zelosa vigilância de nossa mãe, foi talvez uma das poucas e modestas alegrias do meu pai, Baptista Nalini. De quem tenho tantas saudades e de quem me lembro a cada dia com mais carinho.

O mundo mudou, muita coisa se alterou. Tem-se a impressão de que os valores entraram em acelerado declínio. Quanta novidade, quanta conquista científico-tecnológica, porém quanta violência, quanta crueldade, quanta polarização. Porém, na minha singela avaliação, o relacionamento entre pais e filhos é hoje mais aberto, mais franco, mais natural. O lugar do afeto é reservado e mantido num território sagrado. É muito gostoso ouvir dos filhos o contínuo “Eu te amo!”, expressão que não era usual no meu tempo de criança. Nunca falei isso, embora, à minha maneira, eu também amasse meu pai.

Os tempos eram de contenção, reserva, discreta ocultação dos sentimentos. Pelo menos, em minha casa era assim. Pai era autoridade, era o senhor da casa, era alvo de respeito, mais do que de efusões.
A propósito, continuo a cursar a minha escola particular para aprender a ser pai. Agora também faço um curso complementar: aprender a ser avô. Estou muito longe de receber o diploma definitivo. Mas pretendo não fazer feio. Que meus filhos me ajudem a tanto.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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