Estou escrevendo este texto na noite de 28 de julho, domingo, em Paris. Vim para contar a experiência paulistana em termos de adaptação da cidade à emergência climática. São Paulo foi a primeira cidade brasileira a criar uma Secretaria de Mudanças Climáticas. Atendeu à advertência dos cientistas, que há décadas alertam que o aquecimento global é um fato e não uma lenda. E que fenômenos extremos iriam se suceder com frequência e intensidade maiores.
Se a pauliceia fez sua lição de casa, Paris também. Muita coisa semelhante acontece em ambas as capitais.
Aqui, a prefeita Annie Hidalgo resolveu desempermeabilizar a Cidade Luz. Ela também sofreu, como São Paulo, o fenômeno do asfaltamento, do calçamento com cimento e concreto, a abertura de belíssimas avenidas, tudo devido ao projeto Haussmann, com o desaparecimento de muitas áreas verdes.
Esse quadro se alterou e isso é perfeitamente visível. Em todos os espaços, abriu-se oportunidade para o verde voltar. O solo voltou a receber vegetação. Aqui na França, é possível transplantar árvores adultas, o que é difícil no Brasil, seja por falta de equipamento, seja por deficiência técnica. Por isso é que grandes exemplares surgiram do nada e hoje ensombrecem praticamente todas as vias públicas e logradouros parisienses.
Os “Jardins de Chuva”, que em São Paulo hoje chegam a trezentos e sessenta e sete, se multiplicam por toda Paris. E são enormes. Ocupam o centro livre entre duas aleias de árvores. As árvores, aqui, são plantadas como recomenda o paisagista e botânico Ricardo Cardim: a uma distância tal, que seus galhos se entrelaçam. Isso permite a formação de verdadeiros “corredores ecológicos”, para gáudio da fauna silvestre, que voltou a habitar as cidades, diante de ausência de habitat natural no campo.
Outra coisa muito importante: aqui em Paris, as árvores não ficam espremidas entre cimento que prejudica a sua ecotranspiração e também causa a enfermidade das raízes. Grandes círculos de metal elaborados de tal forma que permitem a drenagem da água, protegem o arco tutelar de cada exemplar arbóreo. Por sinal que cada árvore parisiense possui um chip indicador de sua higidez, de suas necessidades, de eventual precisão de algum tratamento especializado.
A reforma também chegou às escolas. Todas as escolas de Paris se submeteram a uma remodelação que retirou boa parte do calçamento, substituído por terra fertilizada, árvores e vegetação própria à atração de fauna característica. Abelhas, pássaros, pequenos animais da fauna francesa hoje têm moradia garantida.
O projeto se chama “Oásis” e, juntamente com Rodrigo Ravena, Secretário do Verde e Meio, visitei um estabelecimento e verifiquei que a proposta foi abraçada pelos professores, funcionários, pais dos alunos e a comunidade do entorno. A França está em férias escolares. Mas os professores estavam ali, com os seus alunos, ensinando-os a pedalar, a praticar esportes, a cuidar das hortas e dos jardins.
Isso é algo que toda cidade pode e deve fazer. Porque precipitações pluviométricas tais como as que ocorreram no Rio Grande do Sul em maio podem acontecer em qualquer lugar. E se há tempos nós falávamos em “mudanças climáticas”, hoje se deve falar em “emergências climáticas”. Se a prioridade era até há pouco atenuar os efeitos, hoje é preciso adaptar a cidade para que sua população consiga superar a catástrofe. Além da devolução ao ambiente daquilo tudo que dele se subtraiu, é preciso construir refúgios térmicos. Escolas, templos, clubes, servirão para isso. Quem viver verá. Por enquanto, conheço o que Paris faz para tentar replicar isso em São Paulo. E tenho conversado com muitos visitantes à Casa São Paulo, dentro da Casa Brasil em La Villete, a presença de nossa capital e de nosso país nas Olimpíadas de 2024.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)