OPINIÃO

Toda cidade pode ser a próxima


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O que aconteceu em Porto Alegre pode ocorrer em qualquer lugar. Por isso, hoje, a palavra de ordem é resiliência. É adaptação. Além de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, é preciso fazer com que os mais vulneráveis não morram e possam se salvar quando ocorrer algo assim. Já não se fala “se ocorrer”. Os cientistas alertaram e não foram ouvidos. Agora, é pensar “quando” vai ocorrer.

Por isso é que São Paulo, a capital, mesmo antes do governo federal editar o seu Plano de Redução de Riscos, já elaborou o seu. Com levantamento de todas as bacias hidrográficas, apuração geológica de cada área. Tudo previsto, tudo calculado. Categorização de riscos de acordo com a ciência. Não que isso possa evitar os fenômenos extremos. Mas, com toda a probabilidade, não haverá mortes.

Isso não começou agora. Entre 2021 e 2024, a Prefeitura da capital investiu oito bilhões de reais em macrodrenagens, microdrenagens, limpeza de córrego, desentupimento de bueiros e bocas-de-lobo, construção de muros de arrimo e de contenção, 367 “jardins de chuva” e outros pequenos bosques. Parques lineares, piscinões, abertura de espaços no asfalto e no concreto para que a água possa escoar e não ganhar força com violentas enxurradas que levam tudo o que estiver à frente.

Se Porto Alegre tivesse feito a lição de casa, teria investido 5% do prejuízo com que terá de arcar. Avalia-se em oito bilhões a recuperação do sistema antienchentes. Se o cuidado fosse anterior à tragédia, teria custado quatrocentos milhões.

Uma cidade como a nossa tem de prever a possibilidade de inundações, enchentes e alagamentos. Os técnicos distinguem as três possibilidades, não são sinônimas. Também precisa pensar que existem áreas mais frágeis. As construções nas encostas. E, principalmente, a ocupação indiscriminada em regiões que não podem ser destinadas a moradia, pois são áreas frágeis, a serem preservadas por necessidade ecológica.

São Paulo também cuidou de se preparar quanto às ondas de calor, que serão cada vez mais frequentes. O ano de 2023 foi o mais quente entre 125 mil outros anos. Novembro, o mês mais quente do ano mais quente. No dia 9.11.23, a temperatura média em SP foi de 37,8 graus. O que significa uma oscilação de cerca de dez graus a menos, nas regiões arborizadas e dez graus a mais, nas áreas desérticas. Isso ocasionou internação crescente de idosos com hipertensão, diabetes, problemas cardiovasculares e apurou-se até a ocorrência de abortos espontâneos.

A Prefeitura montou tendas para distribuição de água e frutas e para medir a pressão dos munícipes, principalmente dos mais carentes. Agora, que 2024 promete ser ainda mais quente, adaptam-se os prédios públicos municipais, notadamente as escolas, para serem espaços de refrescamento ou de resfriamento. Inclusive com a possibilidade de dispensar cuidados básicos para os que necessitarem.
A USP já provou que o calor mata mais do que o frio. São as “bolhas de calor” ou “ilhas de calor”, constatadas ao longo dos anos, mas que recrudesceram nesta década. E vão piorar.

Paradoxal que a ciência garanta longevidade aos idosos, mas o clima os leve preferencialmente. A única aparente vantagem disso tudo é que o negacionismo perde espaço. Quem consegue hoje, em sã consciência, dizer que não existe aquecimento global e que ele não é causado pela insensatez humana?

O papel da sociedade civil é fundamental. Ela é que tem de exigir postura do Poder Público, que só existe para servi-la. Isso precisa ficar muito claro para a cidadania, que não tem a vocação submissa, mas deve exercer os seus direitos e converter a ferágil democracia representativa numa democracia participativa.
 
José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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