Quem precisa de boas notícias precisa saber que há muitos bons projetos em curso, para enfrentar problemas crônicos deste nosso Brasil. Um deles é o desenvolvido na ESALQ, a prestigiosa Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da USP, chamado “Mulheres que alimentam cidades”.
A proposta começou em 2021, como atividade do grupo de pesquisa do Laboratório de Educação e Política Ambiental – OCA, da ESALQ. O objetivo seria desenvolver práticas de agroecologia e educação ambiental na Estação Experimental de Ciências Florestais de Itatinga, também da USP.
É muito importante que o Brasil, o “celeiro do mundo”, não deixe de lado a agricultura familiar. Ela pode cultivar produtos orgânicos de qualidade, atendendo a um mercado crescente e formado por consumidores que levam a sério a questão da higidez alimentar.
A vocação brasileira sempre foi a agricultura e não se pode perder a sabedoria ancestral de populações inteiras que sempre viveram da terra e que, por uma série de circunstâncias, perderam o seu contato com o solo. São Paulo é um exemplo de desaparecimento de autarquias, os pequenos sítios e chácaras, que produziam praticamente de tudo, e que cederam seus territórios para o plantio da cana-de-açúcar, na febre do etanol.
Enquanto o agronegócio produz grãos para exportação, a população brasileira das cidades precisa de frutas, legumes, verduras e demais cultivos que antigamente ocupavam as hortas e quintais que também desapareceram, com a nefasta cultura do concreto. As casas de hoje não têm jardim, nem horta, nem pomar. Com isso, ocorre a impermeabilização do solo e as chuvas torrenciais, quando vêm – e elas virão com intensidade maior daqui para o futuro – formam enxurradas que, violentamente, derrubam o que têm pela frente.
Jundiaí é uma cidade que já teve uma zona rural de intenso cultivo, que ganhou força com a chegada dos italianos. A imigração foi incentivada por Dom Pedro II, logo após à inevitável abolição da escravatura. O braço estrangeiro foi chamado para assumir o lugar dos africanos e como a Europa estava em período de fome, a prática agrícola peninsular foi transplantada para o Brasil. Em nossa cidade, foi o Barão de Jundiaí que formou o Núcleo Colonial e Residencial Italiano que levou o seu nome.
Se Jundiaí ainda tem uva, deve-se a isso. Mas é essencial que novas gerações sejam estimuladas a continuarem a tradição daquelas que vieram a suceder. E a mulher é a figura que pode fazer a diferença nesse processo, pois ela tem carinho em relação à prole e à vegetação, plantando com apuro que nem sempre o homem consegue transmitir à terra.
Aquilo que acontece em Piracicaba poderia ser copiado em Jundiaí, para se valer da pesquisa sobre agroecologização de territórios. Tudo começou com uma horta comunitária a cargo de mulheres e que se chamava “Cheiro Verde”.
É muito possível que essa experiência dê certo em Jundiaí, valendo-se daquilo que Piracicaba já fez. Produzir alimentos saudáveis de baixo custo para a população jundiaiense, fazer com que as mulheres se orgulhem da condição de agricultores, tudo isso fará muito bem para a cidade e para os envolvidos.
Há inúmeros espaços públicos sem destinação e a formação dessas hortas poderia impedir a formação de áreas de proliferação de insetos, pragas e despejo irregular de resíduos. Em Piracicaba, as mulheres selecionadas atendiam ao critério de necessidade emergencial de auxílio contra o desemprego. Pode haver outros critérios. Lá, as escolhidas eram chefes de família e se encontravam havia mais de um ano sem arranjar trabalho.
A Prefeitura de Piracicaba ofereceu ajuda de custo durante o período de capacitação, até que o experimento produzisse o necessário para o seu sustento. Com a ESALQ na coordenação e apoio, fácil o adequado preparo dessas mulheres que se tornam profissionais da agricultura afinadas com as melhores técnicas e capazes de produzir alimento saudável e de inigualável qualidade.
Na capacitação, além da profissionalização técnica-agrícola, elas tiveram formação em direitos femininos e empreendedorismo. Com isso, tornaram-se aptas a enfrentar com aptidão os problemas de sua rotina de pessoas carentes e desfavorecidas.
É uma boa notícia, que mereceria ser replicada. Jundiaí já possui agricultura familiar consolidada. Por que não se servir daquilo que já deu certo em Piracicaba?
José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)