As mudanças climáticas têm de impor novos hábitos e novos valores para toda a sociedade. Já se viu que os fenômenos extremos acontecem, podem se repetir e não poupam qualquer espaço. Aquilo que aconteceu no Rio Grande do Sul, e continuou a acontecer depois que se acreditava ter chegado uma trégua, poderá ocorrer em qualquer outro lugar.
Os governos têm obrigação de mitigar os efeitos, de adaptar as populações para os efeitos perversos da vingança de Gaia e, infelizmente, de remediar o mal inevitável, quando precaução e prevenção falharam.
Um equipamento amigo da população e da natureza para esse movimento de conscientização sobre as transformações que o mau uso de recursos inflige ao ambiente, é a chamada Justiça Climática.
Muito além das Varas e Câmaras Ambientais, entende-se por Justiça Climática o acionamento do Judiciário para fazer valer os dispositivos que estão na ordem normativa em vigor. A partir do artigo 225 da Constituição da República, considerado o mais belo dispositivo fundante produzido no século XX. O constituinte tupiniquim teve a ousadia de erigir o nascituro, aquele que ainda não nasceu, em titular do direito a um ambiente equilibrado. Essencial à sadia qualidade de vida.
Por isso é que pode ser acionado o Supremo Tribunal Federal, para obrigar a observância do artigo 225 da Carta e também acionada a rede judiciária inferior ao STF, para fazer valer toda a profusa legislação infraconstitucional.
A análise das decisões recentes do STF permite vislumbrar que não apenas os governos – União, Estado-membro, DF e Municípios – podem ser alvo de pedidos da cidadania, para que cuidem daquilo que é sua obrigação, mas também os conglomerados empresariais emissores de gases causadores do efeito-estufa.
A Justiça Climática está bem avançada em outros países, onde proliferam lides ambientais como aquela em que idosas suíças conseguiram da Corte Europeia dos Direitos Humanos, com sede em Luxemburgo, a condenação do governo suíço, que não fez tudo aquilo que deveria fazer para propiciar à terceira idade as condições de fruir de um ambiente hígido e compatível com a dignidade humana.
Esse exemplo precisa proliferar em outros lugares e em outras instâncias. Uma Constituição existe para valer e para ser cumprida. Não há quem esteja incólume à incidência de sua vontade. E a vontade constitucional é a de que a natureza seja preservada, para que toda espécie de vida tenha condições de subsistência num planeta vilipendiado, maltratado, do qual se extrai tudo o que deveria atender às infinitas gerações, mas que a ganância do bicho-homem apressa o exaurimento.
O Judiciário é um dos poderes da República e, assim como os dois outros, igualmente responsável por observar os objetivos nacionais permanentes e fazer valer a vontade constitucional de erradicar a miséria, reduzir a pobreza e as desigualdades. E o exaurimento dos recursos naturais, causador do efeito-estufa que gera o aquecimento global e produz as mudanças climáticas, vai flagelar prioritariamente os mais pobres, os mais carentes, os mais necessitados.
Impõe-se a todas as esferas da assimétrica Federação brasileira assumir protagonismo até o momento negligenciado, para que sejam removidas as ocupações habitacionais em áreas de risco, sejam recuperados rios, córregos e nascentes, seja refeita a mata ciliar, multiplique-se a cobertura vegetal das cidades.
Uma cidadania proativa e apta a exercer a democracia participativa deve exigir de seus representantes que cumpram a Constituição e a lei. E se o não fizerem, para isso está disponível o Poder Judiciário, apto a compelir os renitentes a obedecer à ordem normativa de um Estado de direito de índole democrática.
José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)