A festa estava indo bem, em um buffet todo bacana localizado em um bairro tranquilo da cidade. Para alívio da família, todos da turma da escola compareceram, inclusive a professora, que era o xodó da aniversariante. Havia bexiga em todo canto. Espalhados pelo salão, espaços para brincadeiras de que qualquer criança de 7 anos gostaria. Ela, a estrela da tarde, brilhava com seu conjunto jeans novo, mais tarde substituído por uma roupa mais larga para facilitar as movimentações rápidas na piscina de bolinhas. Os cabelos, antes escovados, pouco a pouco foram se desalinhando sobre a cabeça. Com tanta alegria, só faltava uma coisa: o parabéns. Uma moça anunciou no microfone que o bolo seria servido, que todos se encaminhassem para a mesa no salão. Assim todos fizeram, e cantaram, e bateram palmas, e entoaram “é pique, é pique, é pique” em coro, e comeram do bolo e dos docinhos. Todos, menos a aniversariante.
Essa menina sou eu, e essa história aconteceu em 1997. Entre os arquivos fotográficos que minha mãe guarda até hoje, nos divertem até hoje os registros da mesa vazia e da minha cara, conforme a hora do parabéns ia chegando, se contorcendo em caretas de descontentamento. Também rimos ao lembrar do meu desespero ao atender o telefone, ao subir ao palco para pegar o diploma da escola, ao, anos depois, cantar uma música em público com a banda de garagem. Não rimos porque é legal ver uma criança sofrer. Rimos porque aquela criança sofria sem nem imaginar que, quando adulta, viveria nos palcos, como jornalista e também como cantora, mas tinha, bem lá no fundo, um instinto de perseguição desse lugar de exposição, seja fingindo cantar com o frasco de desodorante ou simulando programas de TV no quarto, contanto que ninguém pudesse ver.
Em alguns workshops de prática de entrevistas que ministrei, vi olhares surpresos quando contei que sempre fora uma menina e uma adolescente tímida. De tão vulnerável que me sentia, com frequência fugia de situações de exposição, às quais reagia com desconforto e uma irritabilidade ainda incompreendida na minha ausência de recursos emocionais. Eu apenas reagia. E quando eu contava essa história, repetidas vezes em cada turma, os alunos me perguntavam como eu saí daquela criança para essa adulta que apresenta programa e que segura um show de quatro horas para uma plateia cheia. A resposta é simples. Eu não esperei parar de sentir medo para fazer o que sonhava. Apesar de muitas idas e vindas, marcadas por desânimo e por uma desmotivação molhada de suor das minhas mãos e das minhas axilas, eu tinha uma energia vital que me fazia ir apesar de todo o desconforto, e com ela o processo alinear se tornava um progresso que me levava para o lugar onde estou hoje. Olhando para trás, tá aí: todas as grandes realizações que tive na vida foram acompanhadas de muito frio na barriga.
Isso porque entendi duas coisas: primeiro, que “talento” é algo subjetivo, podendo ser aprendido e passível de treino independente de dom nato; segundo, que coragem não é ausência de medo, e sim vontade de ir lá e fazer o negócio acontecer apesar de toda a intimidação. Foi com esse mix de emoções que, muitas e muitas vezes, eu peguei microfones com mãos completamente trêmulas, falei em público com vontade de vomitar e me expus desejando sumir. E, mesmo ao dar todas essas dicas, dava minhas aulas com dor de barriga, em uma bela e poética metalinguagem da vida. Foi muito treino enquanto lidava com o desespero.
Alguém me disse essa semana que não aguentava mais o tema “gestão emocional”, puxado pelo hype do filme “Divertida Mente 2”. Mas vou ter que insistir nele mais uma vez, porque o que estou escrevendo aqui diz muito menos sobre disciplina, estudo técnico e treino até a perfeição e mais sobre acolhimento e percepção interna. É percebendo o que estamos sentindo que compreendemos como podemos nos encaixar dentro das nossas ferramentas de acordo com aonde queremos chegar. Estudar e treinar muito é essencial. Mas não espere não sentir medo. Que ele vá junto com você, mas não espere que ele não exista mais. Porque se pulsa um sonho aí dentro que fica te chamando pra ir, vai. Vai com medo mesmo. Eu garanto que é real e funciona.
Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br).