Opinião

Mercedes Ladeira Marchi


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   A humanidade perdeu, dia 27 de junho de 2024, um de seus exemplares mais significativos. Sim, foi a humanidade, não apenas Jundiaí, sua família, a sua legião de amigos. Morreu Mercedes Ladeira Marchi, pessoa de primeiríssima qualidade. Cumulava atributos que caracterizam as primícias da espécie. Sua trajetória existencial é modelo para as gerações que vierem.

         Pessoalmente, era a candura terna de um exemplar feminino edificado em lar moralmente sustentável. Além de lhana, polida, fina, era doce. Falava com suavidade, embora com firmeza. A todos transmitia carinho.

         Filha da professora Leonita Faber Ladeira, era irmã de Maria Enid Ladeira Pachur e de Paulo Newton Ladeira. Grupo familiar coeso, a servir de exemplo para tantos que hostilizam o próprio sangue, quando o que está em jogo é dinheiro ou pequenas outras fissuras de caráter.

         Casou-se com Oswaldo Marchi, também padrão de conduta hoje em extinção, que manteve durante décadas a “Marchi Jóias”, joalheria e comércio de presentes diferenciados. Foram premiados com a Marta, a Martinha, a quem os pais devotaram todo o carinho e permitiram que ela se desenvolvesse muito além da idade prevista para os que nascem com a síndrome de Down. Depois disso veio João Henrique, o continuador da estirpe, o médico que sempre orgulhou seus pais.

         Mercedes iniciou logo a sua epopeia, inicialmente em benefício da Associação Jundiaiense de Pais e Amigos dos Excepcionais, não só para que a entidade pudesse funcionar materialmente a contento. Mas foi disseminadora da cultura de acolhimento à diversidade, para que as famílias que tivessem prole nessa condição, não hesitassem na missão de tornar sua vida um capítulo alegre, feliz e sem preconceitos.

         Idealizou o maior movimento comunitário já realizado em Jundiaí e que chegou a ter repercussão nacional: a Feira da Amizade. Nunca se viu, nesta cidade, uma união de famílias, de grupos religiosos, de clubes, de agremiações profissionais, de jovens, na mescla saudável de pessoas de todas as condições e de todas as origens. Todas irmanadas para arrecadar fundos que passaram a sustentar praticamente a totalidade das instituições beneficentes do município.

         O envolvimento afetivo dos partícipes contaminava novos adeptos. Vieram também as diversas colônias estrangeiras com moradores que faziam questão de mostrar o que era mais representativo em suas nações. O mais bonito era o trabalho voluntário: não havia delegação de funções. Eram os cidadãos que programavam, planejavam e executavam a Feira, grande confraternização cidadã, a exprimir a alegria de quem se doava, oferecia tempo, trabalho, recursos e entusiasmo, para satisfazer as necessidades dos que mais precisavam. E isso perdurou por muitos anos.

         Nunca mais houve algo em Jundiaí que mobilizasse a população como a “Feira da Amizade”. À frente de suas sucessivas concretizações, a “anima mater”, a incentivadora, a sempre-presente e sempre generosa Mercedes. Cativava a todos porque vivia aquilo que pregava e em que acreditava.

         Ela fez com que Jundiaí vivenciasse algo que o constituinte de 1988 veio depois a propor: a imersão na democracia participativa. O povo a participar da gestão das coisas comuns, a fazer aquilo que é preciso para a elevação da dignidade do município.

         Mercedes Ladeira Marchi perdeu Martinha e, recentemente, o marido Oswaldo. Mas não perdeu a fé. Viveu seus derradeiros anos cercada pelos sobrinhos, pelo filho João Henrique, a nora Maristela, os netos João Paulo e Maria Angélica, dos bisnetos João Gabriel, Marcelo e André.

         Cumpre a quem sobrevive cultivar sua memória. E a Jundiaí, o dever moral de eternizá-la em obra pública a servir de inspiração para a posteridade. Vidas assim, não podem cair no ostracismo. É imprescindível se inscrevam na lembrança coletiva, como guia para o aprimoramento do convívio entre os homens.

*José Renato Nalini é Reitor da UNIREGISTRAL, docente da Pós-graduação da UNINOVE e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.  


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