Leio que as SAFs constituídas nos últimos dois anos estão tendo prejuízo. A Sports Value, especializada em Administração Financeira no Esporte, fez um levantamento daquelas que estão há mais tempo no mercado (que são: América Mineiro, Bahia, Botafogo e Vasco da Gama; Cruzeiro e Fortaleza não entraram nesse levantamento, pelas particularidades, já que o Cruzeiro SAF foi revendido recentemente por Ronaldo Nazário e o Fortaleza ainda é uma SAF jovem).
Respectivamente, os prejuízos de 2022 e 2023, totalizam para os clubes (em milhões de reais):
América-MG: 21,2 + 22,1 = 43,3
Bahia-BA: 77,8 + 66,0 = 143,8
Vasco-RJ: 88,1 + 123,5 = 211,6
Botafogo-RJ: 248,3 + 101,1 = 349,4
Repare: as 4 principais Sociedades Anônimas de Futebol, em 2 anos, nunca tiveram lucro e acumulam um prejuízo de quase R$ 750 milhões! Ninguém “fechou no azul” até agora.
Eu sei que são projetos a longo prazo, mas sem títulos (e principalmente, sem retorno financeiro), pra quê os investidores terão interesse em fazer tais negócios?
A priori, quem veio ao país comprar um clube de futebol, sabia que a agremiação estava “quebrada” e que poderia pagar barato pelo negócio, revendendo-o com lucro (Ronaldo comprou a SAF do Cruzeiro por 400 milhões e o vendeu por R$ 600 milhões de reais, mas não obteve lucro operacional durante o período). Outra possibilidade era a de ganhar dinheiro com venda de atletas e receitas (o Palmeiras e o Flamengo, que não são SAFs, obtém lucro com isso e estão com contas sanadas devido à competência de sua gestão financeira).
A verdade é: parece um “conto de fadas” a história romantizada de uma SAF, e que imediatamente o clube fica rico e ganha títulos. Nada disso… veja as peculiaridades: quem tem dinheiro para receber, vai fazê-lo aos poucos, com pequenas cotas conforme os aportes financeiros forem feitos. E tem mais: se houver o pedido de recuperação financeira (o novo modelo da antiga “concordata”), esse credor só vai receber alguma coisa depois do período legal da recuperação.
Quer exemplo de tal imbroglio, permitido pela legislação?
O treinador Mano Menezes foi demitido em 2019 pelo Cruzeiro, e ficou com aproximadamente 5 milhões de reais dos salários atrasados e multa rescisória. Com esperança de receber da SAF, ele se animou! Mas… como o Cruzeiro pediu recuperação judicial, ele não verá um tostão por mais dois anos. Ou seja: a dívida de 2019 poderá ser paga a partir de meados de 2026!
Muitos clubes do Brasileirão estão criando SAFs. O Coritiba, por exemplo, é um deles, e aos poucos está se ajustando. Também os pequenos do Interior do Brasil estão buscando tal modelo, mas por estarem com dificuldades financeiras, os valores oferecidos são pequenos e servem apenas para pagar dívidas. América de São José do Rio Preto, Gama do Distrito Federal e tantos outros montaram e já resgataram as SAFs, esperando novos investidores, e continuam na mesma pindaíba.
A verdade é: depois de algum tempo, percebeu-se que as SAFs são como qualquer outra empresa: podem ser bem ou mal geridas, deficitárias ou superavitárias, honestas ou de estelionatários, e por aí vai. Clubes bem administrados não precisam desse modelo. Pra quê “dividir lucro” com pessoas de fora?
Quando se tem uma oferta de qualquer investidor, vale analisar:
1- Quanto se oferecerá?
2- Como será o modelo de negócio?
3- Quais serão os profissionais envolvidos na gestão do clube?
4- Qual será o retorno financeiro e quanto tempo levará? E, principalmente,
5- Como se projetará o clube que vender sua SAF depois de encerrado o contrato? Ou seja: contas, patrimônio, posição na tabela, etc..
Insisto: como qualquer corporação, as SAFs precisam ter competência financeira e competência administrativa. Se o grupo investidor não tiver expertise na gestão do futebol, a chance de fracasso é enorme.
Rafael Porcari é professor universitário e ex-árbitro profissional (rafaelporcari@gmail.com)