“Bom dia, bom dia, bom dia”, dizia ele, sorridente, toda manhã quando chegava ao trabalho. Sempre carregando sua bolsa lateral, onde guardava seus livros, e trazendo um guarda-chuva caso chovesse. Quando fazia frio, vestia casacos elegantes sobre os quais todo mundo comentava. “Que chique”, eu zombava, da minha mesa de escritório, que ficava a poucos metros da dele. E exceto quando não
estava tomando seu café sagrado no final do corredor, jogando conversa fora com alguém que partilhava do gosto pela prosa, era naquela mesa que depositava o sentido de sua vida inteira, franzindo a sobrancelha enquanto se concentrava em seus textos de jornalismo literário, estilo do qual não abria mão nem que lhe pedissem para ser objetivo.
Assustei quando soube, ontem, da morte desse meu colega. Seu nome fala tanto da história de Jundiaí. Pedro Fávaro Junior. Jornalista dedicado e diácono respeitado pela comunidade católica da cidade. Partiu aos 70 anos, deixando a esposa, Sonia, e os filhos Peu, Mariana e Tatiana, que ficaram com a tarefa deixada por ele de que, quando retornasse ao lar dos céus, primeiro rezassem e depois comessem, bebessem e cantassem para celebrar a vida.
Quantas vezes não fizemos isso juntos enquanto ele ainda estava aqui. Me vendo triste ou sobrecarregada de trabalho, ele sempre me convidava para acompanhá-lo no almoço, em um restaurante que ficava a algumas quadras da TV. Caminhávamos a pé até cansar, ríamos do nosso cansaço e pedíamos uma Coca-Cola cheia de gelo para hidratar as palavras. A maioria dita por ele, que sempre me aconselhava e consolava com frases bonitas e causos reais vividos por ele.
Ô, Pedrinho. Há um ano te mandei uma mensagem para saber como estava. “To véio”, me escreveu de volta. Me perguntou se eu andava escrevendo - uma cobrança antiga dele, que sempre lia meus textos e dizia que eu precisava redigir e publicar mais. “Escreva, menina”, repetia para mim. Respondi que estava tentando, porque a vida estava corrida, e aproveitei para questionar se ele podia ser meu entrevistado em uma reportagem que estava produzindo, sobre o desafio dos jornalistas nas coberturas em períodos de pós–ditadura. Ele era a pessoa perfeita. Enquanto repórter do JC, cobriu o comício de 24 de janeiro de 1984 na Praça da Sé, em São Paulo. “Manda bala”, topou. Nos falamos por cerca de trinta minutos por telefone, e, mesmo com sua voz mais fraca de quando o conheci, ouvi a doçura de um convite para um café para botar o papo em dia depois de caminhos tortuosos pelos quais a vida separa as pessoas.
Em junho do ano passado, cheguei a enviar para ele um convite para me ouvir cantar um tributo à Rita Lee. Ele enviou um áudio em resposta. “Ô, fia, que legal. Não vou conseguir ir porque estou me recuperando de mil cirurgias que fiz, mas te desejo muito sucesso porque você merece. Merda pra você”, disse, em sua última mensagem para mim.
Em outubro do ano passado, já debilitado, Pedrinho publicou uma foto de seu gato Ozzy. Apaixonado por bichos que sempre foi, declarou seu amor pelo felino compartilhando uma reflexão sobre a vida, como adorava fazer e o fazia como quem dança sobre as letras. “O olhar dele tem um quê de eternidade. Assim, o eterno me parece indefinível, racional e filosoficamente inexplicável.”
Olhando nos olhos dos meus gatos, penso que, no fim das contas, é sobre isso. Se a eternidade é indefinível, se talvez não haja linha entre o começo e o fim, fiquemos com o belo que os caminhos nos trazem por aqui. Pedro Fávaro Junior nos deixou algo de muito belo pra continuar. E não sei vocês, mas a mim ele abençoou. “Escreva, mocoronga.” Ô, Pedrinho. Já tô escrevendo. Xá comigo.
Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br)