OPINIÃO

Melancólico bem humorado


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“Descansem o meu leito solitário/ na floresta dos homens esquecida,/À sombra de uma cruz, e escrevam nela:/-- Foi poeta, sonhou e amou na vida”. Os versos são de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, poeta romântico brasileiro, um dos mais talentosos da Literatura de língua portuguesa. Tristonho, chafurdado numa melancolia autêntica ou simulada (muitos de seus contemporâneos colegas de ofício eram chegados num “sincero fingimento”), Álvares de Azevedo ganhou notoriedade como expoente do que se convencionou chamar de Ultrarromantismo brasileiro. Os ultrarromânticos eram da turma do ego inflado, lamuriosos desde sempre: “De tanta inspiração e tanta vida/ Que os nervos convulsivos inflamava/E ardia sem conforto.../O que resta? uma sombra esvaecida,/Um triste que sem mãe agonizava.../Resta um poeta morto”. Mas tamanho baixo-astral encobre outra faceta do poeta. A do autor chegado numa gozação, criador de versos bem humorados que satirizam parte do sentimentalismo romântico do qual ele mesmo foi um dos protagonistas. Como nos versos de seu conhecido “Namoro a cavalo”, em que um sujeito apaixonado aluga um pangaré para desfilar diante da casa da musa inspiradora: “Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça/Que rege a minha vida malfadada,/Pôs lá no fim da rua do Catete/A minha Dulcinéia namorada(...)/Morro pela menina, junto dela/Nem ouso suspirar de acanhamento.../Se ela quisesse eu acabava a história/Como toda a Comédia -- em casamento (...)”. Ou ainda a garota de “É ela! É ela!”, celebrada nos versos: “É ela, é ela – murmurei tremendo,/ E o eco ao longe murmurou – é ela!/ Eu a vi minha fada aérea e pura -- /A minha lavadeira na janela! (...)”. Na caracterização da amada, o poeta deixa de lado a idealização para descrevê-la de maneira comum e mundana: “Como dormia! Que profundo sono.../ Tinha na mão o ferro do engomado.../Como roncava, maviosa e pura!/Quase caí na rua desmaiado!”. Nem mesmo a onipresente morte, tema tão celebrado pelos românticos, escapa da sátira, como em “O poeta moribundo”: “(...) Eu morro qual nas mãos da cozinheira/ O marreco piando na agonia.../Como o cisne de outrora, que gemendo/ Entre os hinos de amor se enternecia (...)”.       

Nascido em 12 de setembro de 1831, no casarão de seu avô materno, na rua de São Francisco (atual Quintino Bocaiúva), esquina da Regente Feijó, no centro de São Paulo, passou parte de sua vida no Rio de Janeiro, para onde a família se mudou quando o poeta tinha dois anos. Voltou à cidade natal em março de 1848, e matriculou-se em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco. Não chegou a concluir o curso, pois morreu em abril de 1852, aos 20 anos de idade. Não há consenso a respeito da causa da morte. Teria sido tuberculose, agravada depois de uma queda de cavalo que lhe provocou tumor ósseo na região da cintura, ou ainda de infecção generalizada depois de uma apendicite. Desavenças que desaparecem quanto o assunto é o talento do moço. Escritor brilhante, inspirado compositor de nossa literatura, e um grande nome da poesia de língua portuguesa do século 19. Evoé, Álvares de Azevedo.   

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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