A tragédia brasileira é a educação. Em todos os níveis. Educar não é transmitir informações. Estas se encontram disponíveis e acessíveis como nunca estiveram. Basta um clique num celular ou qualquer outra bugiganga eletrônica e os dados surgem atualizados, coloridos, em movimento e musicais. Não é fácil para um professor competir com a sedução da internet.
Mas as redes sociais poderiam contribuir para uma educação de qualidade. Para a formação de pessoas equilibradas e responsáveis. Muito longe da tentativa estéril de fazer a criança decorar o nome de afluentes, de fazer análise gramatical, quando sequer falar corretamente elas conseguem. Subordinadas à linguagem onomatopaica das redes, na redução dos verbetes a letras ou a sinais.
Hoje, a escola deveria educar primeiramente para o desastre. Sim. Acontecimentos como o do Rio Grande do Sul em maio, o de São Sebastião no ano passado, o de Teresópolis lá atrás e o Katrina em New Orleans em 2005, serão mais comuns e mais intensos. E ocorrerão com frequência maior, porque a devastação da Terra continua insana e inclemente.
Numa reportagem de Isabela Moya, a geógrafa Tatiana Leite Garcia, da USP, mostra de quem é a responsabilidade por essas ocorrências: “Mudanças climáticas são ações provocadas por nós, seres humanos, a ponto de que conseguimos mudar a dinâmica atmosférica e climática do mundo inteiro. Os fenômenos atmosféricos, como furações, chuvas, estiagens, tempestades, têm ficado cada vez mais intensos, tanto em quantidade, como também na força com que chegam às localidades”.
Ela, como cientista, lamenta o negacionismo: “Por causa de alguns governos e pessoas não acreditarem nos estudos relacionados às mudanças climáticas e da ultrapassagem das fronteiras ambientais, isso também reflete no descaso dos investimentos em infraestrutura e educação para prevenção de desastres socioambientais”.
Costumava-se dizer que o Brasil era uma terra abençoada, sem terremotos, sem ciclones, sem furacões. Mas foi a ação humana, irracional e impiedosa, que trouxe para cá episódios como os já citados. O número de cidades paulistas mais vulneráveis a acontecimentos climáticos é de quase um terço dos nossos 645 municípios.
Por isso é urgente acautelar-se para desastres que virão. Basta verificar a construção precária em declives, a produção exagerada de resíduo sólido que vai entupir bocas de lobo, bueiros e provocam inundações, para concluir que estamos a conviver com o perigo.
Os países que já convivem com tragédias adotaram uma educação compatível com sua situação. Assim é que, no Japão, desde o jardim da infância, as crianças são treinadas para essas ocasiões de risco. Nos Estados Unidos, diante da alta frequência de furacões, há um sistema de alertas bastante robusto. É o momento de o Brasil levar a sério essa probabilidade cada vez mais revestida de certeza, de que desastres naturais acontecerão.
Prevenir é sempre melhor do que remediar. A reconstrução é lenta, dolorosa e demorada, além de ser dispendiosa. Divulga-se que a precaução, no Rio Grande do Sul, custaria 5% do valor da reparação.
A questão é também ligada à tutela dos direitos humanos. As pessoas menos favorecidas são as que moram em áreas de risco, pois ocupam os lugares vedados à construção de moradias. As soluções têm de ser de acordo com a natureza. Ter coragem para devolver a ela o que lhe foi subtraído. As áreas comprometidas devem ceder espaço para parques, para reflorestamento, para a recomposição do verde exterminado. Sem isso, os desastres continuarão. E sem educação apropriada, as mortes também.
*José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo.