Não sou uma pessoa muito metódica, mas tenho alguns rituais. Um deles é quando acordo com tempo sobrando, naqueles raros dias de um levantar leve e enérgico pós despertador. Nesses dias faço questão de arrumar a cama. Mentira, eu a arrumo todos os dias, porque minha mãe sempre me disse que cama arrumada recicla as ideias que vamos ter ao longo do dia. Comprovei quando descobri o prazer de ter a minha própria casa, e assim sigo desde então. Com direito a colcha do lado listrado e tomando tento à simetria do tamanho das laterais (não sou metódica), almofadas, spray de cheirinho de nenê e música de manhã relax. Em seguida, sentindo correr na veia o prazer da vida adulta com um entusiasmo juvenil, vou pra cozinha usando pantufas porque não gosto de pisar descalça no chão frio do apartamento, passo meu café e o aprecio com afeto e com raiz. À mesa, recebendo o sol da manhã na cozinha, me dou conta de como minha vida é mais simples do que parece.
Basta arrumar a cama.
Mas essa descoberta transformadora dura pouco tempo. Meus devaneios matinais logo entram numa espiral sobre como, fora do lençol esticado e do cheiro de amaciante, há roupas por toda parte, livros fora do lugar, louça por lavar e bagunça pra guardar. Fora do meu divã particular, do ninho onde deito minha cabeça tranquila e cansada, um campo minado me lembra que eu sou um grande desktop com abas e pastas abertas. Um painel de descontrole, que meus olhos, dilatados do café, registram bem para não deixar passar nenhum momento precioso do auto-açoite.
Porque tem sempre uma porta aberta, uma gaveta aberta, um saco de pão aberto, um pensamento aberto, arreganhado, com as tripas pra fora, berrando. Mariana, Mariana. Olha o que você fez.
Eu olho. Reconto quantas vezes fechei malas pra viver uma vida nova pensando deixar as bagagens pesadas pra trás. Mariana, Mariana. Não vê?, que não importa pra onde você vá, sua mala vai com você?
Esse é um texto que começou a ser escrito há uma semana, e foi ficando pra depois porque eu precisava fazer as coisas que ainda não fiz. Mas uma vez li que buracos negros têm buracos brancos, pra onde escoa toda a energia sugada, que vira matéria de novo. Então, na dúvida, vou manter tudo em aberto, portas, colcha, pacote do bolinho que eu comprei (e que acabei de lembrar de não ter fechado tão bem, o que significa que vou encontrar farelos secos quando chegar em casa) e fotografar tudo, que é pra ver se facilita a passagem do peso de hoje pro amanhã.
Desculpe o transtorno, leitor. Acabei de ter uma epifania. Me permita ressignificar: tem sempre uma porta aberta, alguma coisa aberta. E que bom que tem. Porque se tá aberta, ainda existe o que esperar entrar. E aqui dentro, da minha bagunça eu entendo bem.
Basta arrumar a cama.
Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br).