OPINIÃO

Como você sente seus cortes?


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Aproveitando a semana que se inicia com a lua minguante e se transformou, desde ontem, em lua nova, vou escrever sobre algo que faz parte da vida e com o qual as pessoas têm dificuldade de lidar: os cortes.

Por corte podemos entender a subtração voluntária de qualquer parte atuante do nosso sistema, seja da sua parte energética ou material. A imagem da lua, ao longo do seu ciclo, ilustra bem: o processo que vem crescendo e resplandecendo chega a um ponto onde voluntariamente começa a encolher e voltar cada vez mais para a própria essência, até que não sobre nada, o que é representado pela lua nova.

O cortar e diminuir é um ato importante e muito saudável, não só para mudar o rumo do fluxo de vida, mas também para permitir o assentamento daquilo que foi conquistado com o processo expansivo que foi realizado previamente. Assimilar o que foi conquistado através da eliminação dos seus excessos desnecessários e tão fundamental para o crescimento quanto adquirir elementos novos.

Claro que, em uma sociedade que passou por períodos de escassez causados por variações climáticas, manipulações econômicas e mesmo guerras, a ideia de “diminuir” e de renunciar a algo pode parecer na “contramão” do bom senso. No entanto, a mesma sociedade que condena esse tipo de atitude contribui para um comportamento patologicamente acumulador e mesmo a epidemia de obesidade que vemos hoje se apoia, ao menos em parte, neste tipo de senso comum.

O corpo humano possui um processo fisiológico que é similar ao ciclo lunar e pode exemplificar um corte: o processo menstrual. na segunda parte do ciclo, caso o óvulo não seja fecundado, a camada que reveste a parte interna do útero se desfaz e é eliminada, através das contrações deste mesmo órgão, que é essencialmente, um complexo músculo.

As famosas cólicas menstruais são decorrentes do esforço que o útero faz para se livrar de uma construção que foi feita nele e para o exercício da sua função primordial, mas que, naquele momento, não foi necessária.

Quanto maior o esforço, mais intenso e prolongado é o período de cólicas.

Alguns fatores podem aumentar a aderência desta camada que precisa ser eliminada e por isso tornam o período menstrual doloroso e sofrido para minhas caras amigas leitoras que se identificaram com o artigo até agora.

Alterações hormonais e mesmo inflamações em outras partes do corpo podem contribuir para essa dificuldade de largar o que, para o útero, representa o passado, uma parte que não será mais utilizada e por isso, deve ser cortada para que não sobrem restos, para que o campo fique livre para novas possibilidades.

Para que o sistema reprodutivo se liberte das dificuldades e dores advindas do peso do passado e acorde para uma nova vida, um novo ciclo, cabem diagnóstico médico e eventual tratamento, como costumo fazer, na minha prática diária.

Contudo, cabe aqui a reflexão e análise da nossa própria vida e nos perguntar, caso o passado insista sempre em bater na porta com dificuldade de ser eliminado, qual o fator que favorece a sua permanência? O atraso no progresso reflete normalmente a nossa ocupação em honrar um relacionamento pouco saudável com algo que se recusa dar espaço ao novo.

Com relação às cólicas e para com a vida, esse apego me parece sofrimento desnecessário.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)

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